São Paulo, segunda, 16 de fevereiro de 1998

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Recursos para a TV Cultura


A Cultura precisa dar visibilidade à sua causa. Nenhum outro canal oferece tantos programas de qualidade


LIA DE SOUZA

A TV Cultura saiu da excelência para entrar na sobrevivência. Há três anos, a emissora vê-se mergulhada numa crise financeira decorrente de dois fatores principais. Primeiro, a falta de sensibilidade do governo do Estado de São Paulo, que não soube reconhecer a qualidade do trabalho da TV Cultura e impôs, desde janeiro de 1995, um corte abrupto em nosso orçamento. Segundo, a incapacidade da própria Fundação Padre Anchieta de desenvolver, com a rapidez requerida, formas novas e eficazes de captar recursos.
Neste ano, o governo investirá R$ 49 milhões na fundação, valor insuficiente até para manter a atual programação no ar. Com venda de apoio cultural, licenciamento de produtos e algumas parcerias, a Cultura arrecada R$ 12 milhões por ano, o que ajuda a cobrir suas despesas básicas. Ainda assim, há um déficit mensal de R$ 900 mil e uma dívida acumulada de R$ 22 milhões. Isso após 660 demissões, paralisação de novas produções e corte de investimentos em atualização tecnológica.
O que fazer diante dessa situação? Nós, funcionários, apostamos em um modelo exemplar de instituição pública, ancorado por uma administração moderna e por um sistema de captação de recursos que envolva uma parceria efetiva com a sociedade brasileira.
Para isso, elaboramos o projeto "Cultura 30 Anos", que prevê, desde já, uma grande campanha de arrecadação de fundos entre os diversos setores da sociedade: governo, fundações, instituições, empresas e população. Essa proposta, baseada nos moldes norte-americanos de captação de recursos, foi aprovada pelo conselho curador da fundação em dezembro de 1997.
A participação da sociedade aconteceria em dois níveis: viabilização financeira de projetos de importância cultural e educativa, em parceria com empresas e instituições afins; contribuição direta de telespectadores e ouvintes.
A Cultura precisa dar visibilidade à sua causa. Nenhum outro canal oferece tantos programas de qualidade ou contribui com tanta seriedade na formação do cidadão. É um serviço imensurável, que deve ser apoiado, inclusive financeiramente, por todos.
Nos EUA, todas as TVs públicas, ao se deparar com cortes profundos de subvenções estatais, desenvolveram sistemas de captação de recursos que envolvem diretamente a sociedade.
A PBS, rede pública norte-americana, tem um orçamento anual de US$ 1,4 bilhão, do qual US$ 300 milhões provêm de doações dos 5,2 milhões de telespectadores que apostam no trabalho da rede. A KCET, canal público da Califórnia, consegue 40% de seus recursos com campanhas junto à população.
As empresas dos EUA não se eximem da responsabilidade e investem diretamente nos canais públicos, mesmo sem ter direito a colocar anúncios no ar.
A NPBT, de Miami, possui 245 empresas-âncoras, que investem sistematicamente. Muitas são velhas conhecidas dos brasileiros, como Coca-Cola, Johnson & Johnson, Microsoft e Xerox. Até museus, zoológicos e planetários estabelecem parcerias com as TVs.
Nenhuma dessas emissoras sente vergonha ou perde sua independência por solicitar apoio. Ao contrário: o vínculo direto com a sociedade traz mais legitimidade, força política e transparência ao trabalho desenvolvido por elas.
Além disso, empresas, instituições e a própria população sentem-se orgulhosas em defender voluntariamente uma causa nobre. Trata-se de consciência cívica, de reconhecimento ao imprescindível serviço prestado por emissoras sem compromissos comerciais.
Pesquisa do Datafolha mostra que 66% da população considera a programação da TV Cultura a melhor do país. Chegou a hora de passar do elogio à ação. A responsabilidade da sociedade não é só a de apreciar a programação da Cultura, mas também a de contribuir.
Nossa proposta está feita. Para ser colocada em prática, só falta definir alguns detalhes. Acreditamos que somente assim será possível reforçar o caráter público da Cultura. Buscamos apoio dos nossos telespectadores e ouvintes para que ela se concretize.
Lia de Souza, 33, jornalista, é representante eleita dos funcionários no conselho curador da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da TV Cultura de São Paulo.
E-mail: cultura@tvcultura.com.br



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