São Paulo, terça-feira, 16 de março de 2004

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CLÓVIS ROSSI

A vida e a morte

MADRI - Há alguma coisa errada na lógica que se tornou predominante a respeito dos atentados em Madri e dos resultados eleitorais.
Diz a lógica que o governo do conservador José María Aznar perdeu uma eleição que quase todo o mundo dava por ganha porque os eleitores repudiaram nas urnas o fato de Aznar ter entrado na Guerra do Iraque, o que, por sua vez, atraiu a ira do radicalismo islâmico.
Deve ter acontecido isso mesmo, mas o erro está em que, levada ao limite, tal lógica significaria que, se não tivesse havido a invasão do Afeganistão e do Iraque, a Al Qaeda ou alguma de suas franqueadas não teria atacado.
Por condenáveis que sejam -e são- as ações no Iraque e no Afeganistão, é preciso lembrar a cronologia exata: o ataque da Al Qaeda aos Estados Unidos se deu antes, não depois do Afeganistão e do Iraque.
Pode-se, portanto, condenar o unilateralismo e a prepotência americana. Mas não se pode, daí, saltar para a conclusão de que o Ocidente estaria livre do terrorismo islâmico radical se os EUA e seus aliados ficassem quietinhos no seu canto. Tampouco seria razoável imaginar que, se a guerra no Iraque tivesse sido aprovada pela ONU, mesmo por unanimidade, o terrorismo a aceitaria.
Aqui, um parêntesis: o próprio líder socialista espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, tentou ontem desmentir a ligação guerra/resultado eleitoral ao dizer que, antes dos atentados, "havia ganas de mudança na Espanha".
Voltemos ao terrorismo. A condenação ao unilateralismo norte-americano e a seus aliados subservientes é merecida, mas não muda um dado da realidade: há um tipo de terrorismo com o qual o mundo não sabe lidar, com ou sem unilateralismo.
Uma frase contida na fita de vídeo em que a Al Qaeda assume os atentados em Madri diz: "Vosotros queréis la vida y nosotros queremos la muerte" (uso a tradução da polícia).
É essa a chave. Ou se decifra ou ainda vai devorar muita gente. Pior: gente inocente.


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