São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 2006

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SERGIO COSTA

Um tiro no pé

RIO DE JANEIRO - Um soldado deu um tiro no próprio pé no teatro de operações da Rocinha. Não poderia haver cena mais simbólica para a última ação do Exército antes da apresentação das armas roubadas de um quartel no dia 3.
"Um tiro no pé" poderia ser o título de uma peça que começou aplaudida em cena aberta por boa parte do público, mas descambou para a farsa com as revelações do repórter Raphael Gomide, ontem na Folha.
Na segunda-feira, véspera do encontro oficial dos dez fuzis e da pistola, Gomide teve acesso ao "texto" que seria interpretado no dia seguinte. Havia descoberto que as armas roubadas estariam com o Exército desde domingo. Tinha detalhes de como foi o resgate.
Soube também que a recuperação envolvia negociação com traficantes do CV (Comando Vermelho) e que os fuzis apareceriam na terça à tarde, após uma grande operação na Rocinha, dominada pela rival ADA (Amigo dos Amigos), marcada para as 10h do mesmo dia.
Assim aconteceu: o repórter chegou à Rocinha por volta das 9h. Às 10h07, depois de um desfile em comboio de 30 veículos pelas ruas da zona sul, 400 homens se instalaram na favela. No início da noite, depois que saíram da Rocinha, chegou a nota do Comando Militar do Leste informando que as armas haviam sido encontradas.
À noite, no Palácio Duque de Caxias, sede do CML, os fuzis foram apresentados enfileirados no chão, no nível adequado para o fim de uma ação em que alguns militares adotaram a mesma tática rasteira de certos policiais do Rio. Quando precisam sair da linha de tiro da opinião pública, vão até o estado paralelo, negociam um pacto e alguém para pagar o pato.
A diferença é que, desta vez, descobriu-se o fim antes da história acabar. Tiveram que descer o pano rapidamente.


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