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DEMÉTRIO MAGNOLI
A hora e a vez
do Caveirão
Depois que terminou a Operação
Asfixia, de ocupação militar dos
morros do Rio de Janeiro, o narcotráfico devolveu ao Exército as armas
roubadas. O desfecho decorreu de negociações sigilosas entre o Estado oficial e o Estado paralelo criado pelo Comando Vermelho. Só faltou trocarem
embaixadores.
A parcela da mídia sempre disponível para incensar as autoridades exibiu a pantomima de dez dias como
um enfrentamento do Exército contra
os traficantes. Mas o Exército subiu os
morros propondo um acordo com os
criminosos: a troca do retorno à "normalidade" (isto é, a liberdade dos negócios e a vigência do poder do crime
organizado no "seu" território) pela
devolução dos fuzis. Os traficantes
aceitaram o compromisso, não sem
antes impor aos militares um rosário
de humilhações.
Nos dez dias da pantomima, a força
letal do Exército não matou ou prendeu nenhum chefe de morro ou mesmo gerente de boca. Em compensação, soldados reviraram casas humildes e revistaram crianças com base em
mandados judiciais coletivos, ou seja,
ilegais. Questionado sobre os abusos,
Lula murmurou uma frase carente de
sentido, e Márcio Thomaz Bastos replicou que, "se for discutir isso no pormenor, a gente não chega a lugar nenhum". O ministro do Arbítrio não se
preocupa com "pormenores" legais, a
não ser quando se trata de seus antigos clientes milionários ou dos novos
"clientes" instalados no Palácio do
Planalto.
Os Urutus já não circulam nos morros. Com a "normalidade", retorna às
favelas o Caveirão, veículo blindado
adaptado para rondas da PM que expõe na lateral o emblema do Bope. O
Caveirão anuncia-se nas vielas por
meio de alto-falantes que berram frases como: "Se você deve, eu vou pegar
a sua alma". Ao aproximar-se de transeuntes, os policiais embarcados bradam: "Ei, você aí! Você é suspeito. Ande bem devagar, levante a blusa, vire...
agora pode ir...". O megafone do Caveirão é o porta-voz da política de segurança pública dos Garotinho e do
seu secretário da Insegurança, Marcelo Itagiba: criminalização da população dos morros e conluio tácito com
os traficantes.
A "guerra ao tráfico", deflagrada em
1984 por Ronald Reagan, é um fracasso ou, mais propriamente, um instrumento de ingerência em assuntos de
segurança interna de nações soberanas. Mas o que há nos morros do Rio
de Janeiro e em áreas de outras metrópoles brasileiras não é apenas comércio de drogas: é a territorialização do
narcotráfico. O fenômeno, embrião
de uma "colombianização" do país,
exige um programa de restauração da
soberania. Isso significa levar o Estado
aos territórios submetidos ao poder
paralelo do crime, neles instalando o
conjunto de equipamentos públicos
básicos (hospitais, postos de saúde, escolas, creches e, sobretudo, delegacias
de polícia) e incorporando-os plenamente ao tecido urbano das cidades.
Não é programa para ONGs. Só pode ser detonado pela ocupação permanente dos "territórios do crime"
por forças policiais federais, com a retaguarda do Exército. Mas a sua bandeira deve ser a Constituição: os direitos dos cidadãos. A certeza de que o
Estado chegou para ficar, de que não
se repetirá o ciclo de efêmeras "invasões", é a única chance de conquistar o
apoio das comunidades atemorizadas
pelos criminosos.
É coisa para estadistas, não para políticos liliputianos.
Demétrio Magnoli escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
@ - magnoli@ajato.com.br
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