São Paulo, quinta-feira, 16 de março de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Educação e trabalho

EMÍLIO ODEBRECHT

A democratização da educação, fenômeno que se espalhou pelo planeta há pouco mais de um século, ocorreu por duas razões: formar cidadãos esclarecidos e preparar os jovens para o mundo do trabalho. Onde a oferta de vagas nas escolas atendeu à demanda, podemos dizer que os dois objetivos, bem ou mal, foram atingidos.


A idéia do emprego é um dos anacronismos que persistem no processo de formação de nossos universitários


Mas a preparação dos jovens estudantes para o mundo do trabalho invariavelmente os remetia ao emprego. Não temos notícias de escolas que qualificassem seus alunos para gerir os seus conhecimentos, habilidades e competências como se fosse um negócio próprio. O olhar sempre se orientava para as vagas disponíveis no mercado. Quando os tempos econômicos eram propícios, a demanda resolvia o problema. Quando havia crise, se instalava o desemprego.
Os países socialistas tinham políticas de pleno emprego. Não havia desempregados na União Soviética. Nem produtividade. Eram todos funcionários do governo -que, segundo a anedota, fingia que pagava para quem fingia que trabalhava.
Ocorre que o mundo mudou. O emprego e o salário acabaram. A nova economia não precisa mais de assalariados nem de patrões. Precisa de empresários que saibam como tornar produtiva sua capacidade de fazer acontecer, decidindo e agindo continuamente, exercendo sua liberdade com responsabilidade. É agindo como empresários de si que os jovens alcançarão o sucesso.
Isso significa que as oportunidades de trabalho estarão cada vez mais reservadas para aqueles que não tenham sido preparados para obedecer ordens, mas para conquistar e satisfazer clientes.
As empresas não existem porque têm ativos tangíveis, e sim porque atraem, formam e integram pessoas que, impregnadas de uma filosofia voltada para servir, são capazes de buscar a própria realização pessoal, profissional, econômica e emocional, conquistando e mantendo clientes satisfeitos.
O mundo começa, portanto, a conhecer uma nova era nas relações produtivas. A era anterior -a do emprego-, cada vez mais, cede espaço para a era em que começa a se impor a consciência de que o trabalhador pode e precisa se auto-remunerar por meio de parte dos resultados que produz.
Nesse contexto, os resultados gerados têm de ser maiores do que as necessidades de sobrevivência do trabalhador e da empresa, de modo que o excedente possa permitir o crescimento de ambos e a criação de novas oportunidades para outros trabalhadores.
Um dos efeitos desse novo tempo, em que prevalece o intangível, é a preponderância do conceito da prestação de serviços, independentemente da atividade econômica em que a empresa atue, o que desloca a ênfase das frias relações de negócios para as interfaces entre pessoas.
Por isso, as empresas estão à procura de gente que pense estrategicamente, saiba trabalhar em equipe, seja capaz de visualizar o futuro, ouça, leia, escreva, se comunique, eduque, pense sistematicamente, crie e inove.
O que as organizações que atuam em ambientes negociais cada vez mais complexos esperam é que o jovem seja preparado para ser protagonista de atos e fatos que façam diferença, impulsionado pelas próprias forças e pela força das circunstâncias, dotado de uma visão otimista do futuro, capaz de decidir com eficácia e agir com eficiência.
Preparar esse jovem para que se converta em empresário de seu próprio destino é função que a família inicia e a escola complementa.
Às empresas cabe oferecer o clima propício para que aprimore conhecimentos, comportamentos e atitudes e se torne dono de si próprio.
Infelizmente, a educação escolar ainda é consumida numa perspectiva imediatista, sem um olhar alongado para o futuro, e tem privilegiado práticas incompatíveis com as exigências de um mundo em constante mudança. A idéia do emprego é um dos anacronismos que persistem no processo de formação de nossos universitários.
As escolas -desde o ensino médio (passando pelos cursos profissionalizantes) até a universidade- precisam oferecer aos jovens a base que lhes permita transformar cada instante da vida profissional em uma oportunidade de aprendizado, de participação e de autodesenvolvimento, que é uma condição para o crescimento individual e o conseqüente crescimento das empresas às quais servem.
A educação é, essencialmente, um processo de comunicação visando uma influência construtiva sobre o outro. Nesse sentido, as instituições educacionais podem formar indivíduos críticos, capazes de conferir riqueza, inovação e versatilidade às organizações que os atraiam enquanto concretizam os planos de vida e carreira que formularam para si próprios.
Agindo assim, a escola atuará como agente de emancipação pessoal, estimuladora da autonomia produtiva e vetor de uma nova consciência que refuta o tradicional conceito de emprego, altera o padrão de dependência do trabalhador perante o mercado e transcende as visões estreitas que preferem realimentar a dicotomia entre o capital e o trabalho.

Emílio Odebrecht, 60, engenheiro civil, é presidente do Conselho de Administração da Odebrecht S.A., holding da Organização Odebrecht.


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