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São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Salvemos Ouro Preto

BENEDITO TADEU DE OLIVEIRA

A missão de técnicos do Centro de Patrimônio Mundial que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) enviou a Ouro Preto deve, em uma ação coordenada com as diversas esferas do poder público, levantar os problemas existentes e identificar as medidas necessárias para deter a alarmante deterioração do patrimônio cultural e ambiental da cidade.
Ouro Preto vem passando, nas últimas décadas, por um processo de crescimento desordenado, com a ocupação de encostas e áreas de risco geológico, favelizando morros, invadindo áreas verdes e sítios arqueológicos. Esse processo, além de deteriorar a qualidade de vida na cidade, descaracteriza o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico de Ouro Preto, monumento nacional desde 1933, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1938 e declarado patrimônio cultural da humanidade, em 1980, pela Unesco.
Em Ouro Preto, segundo Sylvio de Vasconcellos, as construções casam-se perfeitamente com a topografia local, acentuando-lhe os contornos, as cores e as formas dos telhados, confundindo-se com o próprio solo, suas cumeeiras, afeiçoando-se a espigões ou alteando os naturais outeiros. Com a alteração da relação harmoniosa entre natureza e arquitetura, pode-se considerar que Ouro Preto vem sofrendo um processo sistemático e permanente que combina expansão urbana com descaracterização da sua paisagem histórica.


Ouro Preto encontra-se em um processo acelerado e progressivo de descaracterização irreversível


O conjunto arquitetônico, de predominância barroca, é constituído de 45 monumentos tombados isoladamente e cerca de mil edificações tombadas em conjunto. Os principais problemas desse núcleo são de adensamento, alterações dos espaços internos, substituição de materiais e dos sistemas de construção originais, além de um grande número de obras irregulares.
O trânsito caótico da cidade, sem hierarquização do sistema viário, com carência de áreas para estacionamento, vem causando danos físicos às estruturas tradicionais das edificações históricas. O projeto de ordenação do tráfego desenvolvido pelo Programa Monumenta/BID precisa ser implantando com urgência.
O Plano Diretor de 1996 não foi implantado, a carta geotécnica não vem sendo considerada nas ocupações urbanas e na cidade não existem o Código de Edificações e Obras, a Lei de Uso e Ocupação do Solo nem um sistema completo de prevenção e combate a incêndios.
O Programa Monumenta/BID, até o momento, tem seu efeito restrito às intervenções físicas pontuais e não atingiu o seu objetivo primordial, que é a capacitação da estrutura da prefeitura, que não está aparelhada para cumprir o seu dever constitucional de conservação do patrimônio cultural urbano.
O Iphan está desaparelhado e dispõe de um quadro de funcionários reduzidíssimo, que consegue fiscalizar apenas parte das obras em andamento na zona de proteção especial definida pelo Plano Diretor. As zonas de controle e de proteção ambiental e paisagística, embora estejam dentro do perímetro de tombamento, estão há vários anos sem ser monitoradas pelos órgãos públicos.
Ouro Preto encontra-se, portanto, em um processo acelerado e progressivo de descaracterização irreversível, que torna as palavras de Manoel Bandeira mais do que nunca atuais: "Meus amigos e meus inimigos, salvemos Ouro Preto".
Para deter esse processo de deterioração, algumas medidas efetivas vêm sendo tomadas recentemente, dentre as quais destacam-se: mobilizações contra a descaracterização da cidade, promovidas pela Paróquia Nossa senhora do Pilar e a ONG AMO Ouro Preto; criação do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Ouro Preto; instalação pelo Ministério Público estadual de uma curadoria para a defesa do patrimônio cultural e do meio ambiente; proibição do tráfego de veículos pesados no centro histórico, pelo Ministério Público local e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais; e criação do Comitê Consultor de Ouro Preto, sob a coordenação do Iphan, para articular o ordenamento do uso e da ocupação do solo, com a preservação do patrimônio cultural e ambiental da cidade.
Ouro Preto, que é uma das cidades mais emblemáticas para a história e a cultura brasileiras, foi o principal centro de mineração no século 18, palco da Inconfidência Mineira de 1789 e fonte de inspiração dos artistas modernistas da Semana de 22, que a identificaram como um dos berços da identidade nacional. Na cidade encontram-se grandes criações artísticas dos mestres Aleijadinho e Ataíde, além de uma rica e antiga cultura imaterial, cujas manifestações artístico-religiosas e musicais vêm sendo transmitidas geração a geração ao longo dos últimos séculos.
Ouro Preto, devido a seu valor universal como marco da criação humana, deveria ser tratada como assunto estratégico de Estado, por meio de uma ação conjunta entre os ministérios da Cidade, do Turismo, do Meio Ambiente e da Cultura do governo Lula, que tem como palavra-chave a mudança.

Benedito Tadeu de Oliveira, 47, arquiteto, doutor em restauração de monumentos pela Universidade de Roma - La Sapienza, é diretor da 2ª Sub-Regional da 13ª Superintendência do Iphan.


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