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São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O fracasso do sucesso

ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA

A experiência tem me ensinado ao longo da vida que os momentos mais propícios para errar são aqueles em que nos atinge a efêmera e inebriante sensação de sucesso. Digo isso neste momento por conta da surpreendente melhoria de expectativas que o mercado financeiro internacional tem demonstrado em relação à economia brasileira e, em particular, ao novo governo, bem como por conta das recentes declarações, do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro Antonio Palocci, sobre a política cambial.
Ao se manifestarem publicamente com frequência, e às vezes até de forma contraditória, sobre o tema, cometem grave equívoco de procedimento. Em primeiro lugar, porque contrariam a máxima de que "câmbio não se anuncia, mas se pratica". Enganam-se aqueles que julgam que o mercado cambial funciona simplesmente em função do fluxo real de entrada e saída de divisas. Por ser extremamente suscetível às expectativas, o mercado de câmbio no Brasil normalmente extrapola as altas e as baixas decorrentes do fluxo de divisas. E será tanto mais volátil quanto forem contraditórias as declarações das diferentes autoridades a respeito.
A ordem deveria ser que "nenhuma autoridade do governo falasse mais sobre a taxa de câmbio" e ponto. Afinal, todos sabemos que num ambiente de alta volatilidade cambial torna-se impossível planejar até mesmo a curto prazo, quanto mais a médio e longo prazo. Só aos especuladores de plantão interessa esse ambiente de sobe e desce da taxa cambial.
Erram novamente as autoridades ao afirmarem que "não cabe ao Banco Central do Brasil nenhum papel na definição da taxa de câmbio de equilíbrio, cabendo exclusivamente ao mercado a sua fixação". Primeiro, essa postura não-intervencionista contraria não só a prática universal dos bancos centrais, como a própria lei nš 4.595, de 1964, que criou o BC brasileiro e que no seu artigo 11 define a responsabilidade da autoridade monetária em garantir a estabilidade e o bom funcionamento do mercado cambial, "podendo para este fim comprar e vender moeda estrangeira de suas reservas", quando e se necessário.
Quando o real está muito desvalorizado, os produtos importados, bem como os exportáveis, tornam-se mais caros, o que gera inflação e reduz a renda da população. Por outro lado, quando o real está muito valorizado, as importações ficam mais competitivas, gerando empregos em outros países e desemprego no Brasil, e se desestrutura o setor exportador. Portanto são dois cenários muito nocivos para qualquer economia.
Há que evitar, na medida do possível, tais efeitos perversos da sub e da sobrevalorização da moeda, especialmente quando se sabe que atuamos num mercado cambial extremamente imperfeito, seja pelos arcaicos controles de entrada e saída de divisas que ainda perduram na legislação cambial, de certa forma incompatíveis com o regime de taxas flutuantes no seu sentido mais puro, seja pela política monetária que nos é imposta por intervenção do Copom, fixando uma elevadíssima taxa real de juros, que, por sua vez, atrai ao mercado brasileiro capitais financeiros de curto prazo, puramente especulativos e que distorcem o fluxo cambial corrente.
Erra ainda o BC ao não aproveitar o atual fluxo superavitário de moeda forte para reforçar nosso estoque de reservas, relativamente muito baixo em comparação com quaisquer índices, como em relação ao serviço anual da dívida externa ou ao fluxo mensal de importações, bem como com outros países emergentes comparáveis ao Brasil, que têm reservas cambiais de US$ 38,4 bilhões, contra, por exemplo, o México (US$ 52 bilhões), a Rússia (US$ 51,8 bilhões) ou a China (US$ 309,2 bilhões!).


A ordem deveria ser que "nenhuma autoridade do governo falasse mais sobre a taxa de câmbio" e ponto


Não nos iludamos a respeito do risco Brasil, sob pena de voltarmos a uma situação de moratória no futuro próximo. Entre os países ditos emergentes, o Brasil ainda ostenta o mais alto índice relativo de serviço da dívida sobre exportações, que é de 81%, contra 27% do México, 16% da Rússia e apenas 9% da China. Até a Argentina, em aguda crise cambial, nesse tópico está melhor posicionada que o Brasil, com 67%.
Talvez o recente e notável desempenho da balança comercial brasileira esteja induzindo tanto a opinião pública como as autoridades econômicas a acreditarem que o problema das contas externas está resolvido. Novamente aqui a ilusão torna-se um risco. Primeiro, porque, se o país voltar a crescer a taxas anuais de 4% a 5% ao ano, como desejamos, as importações crescerão entre 10% e 15% ao ano e o consumo doméstico imporá limites às exportações. Segundo, devemos notar que a relação causa-efeito em políticas de comércio exterior tem uma defasagem de pelo menos seis meses, o que vai nos levar a, persistindo a alta volatilidade e a sobrevalorização cambial, daqui a seis meses ver minguar o desempenho exportador e o saldo da balança comercial.
O ministro da Fazenda, com exceção da questão cambial, sobre a qual discordamos, tem demonstrado um excepcional bom senso em todos seus pronunciamentos e atitudes, inclusive sobre temas controversos, como as reformas tributária e previdenciária. Recentemente pronunciou uma frase de grande efeito, afirmando que só cometeria eventualmente erros novos, pois não incorreria em erros já conhecidos.
Recorro a essa sua afirmação para lembrar o que ocorreu na economia brasileira de julho de 1994 a janeiro de 1999, quando, por conta da estabilidade monetária a qualquer custo, persistiu-se no grave erro da sobrevalorização cambial determinada pelas condições macroeconômicas brasileiras, inclusive juros elevadíssimos, que arruinaram as finanças do setor público e dos setores produtivos de nossa economia, com consequências que perduram até hoje.
Que o passado nos sirva de lição e que nossas decisões presentes e futuras não sejam pretensiosamente distorcidas pela sensação de onipotência e infalibilidade de um efêmero sucesso inicial.

Roberto Giannetti da Fonseca, 53, economista e empresário, é presidente da Sílex Trading S.A. Foi secretário-executivo da Camex (2000-2002).


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