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TENDÊNCIAS/DEBATES
O fracasso do sucesso
ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA
A experiência tem me ensinado
ao longo da vida que os momentos
mais propícios para errar são aqueles
em que nos atinge a efêmera e inebriante sensação de sucesso. Digo isso neste
momento por conta da surpreendente
melhoria de expectativas que o mercado financeiro internacional tem demonstrado em relação à economia brasileira e, em particular, ao novo governo, bem como por conta das recentes
declarações, do próprio presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e do ministro Antonio Palocci, sobre a política cambial.
Ao se manifestarem publicamente
com frequência, e às vezes até de forma
contraditória, sobre o tema, cometem
grave equívoco de procedimento. Em
primeiro lugar, porque contrariam a
máxima de que "câmbio não se anuncia, mas se pratica". Enganam-se aqueles que julgam que o mercado cambial
funciona simplesmente em função do
fluxo real de entrada e saída de divisas.
Por ser extremamente suscetível às expectativas, o mercado de câmbio no
Brasil normalmente extrapola as altas e
as baixas decorrentes do fluxo de divisas. E será tanto mais volátil quanto forem contraditórias as declarações das
diferentes autoridades a respeito.
A ordem deveria ser que "nenhuma
autoridade do governo falasse mais sobre a taxa de câmbio" e ponto. Afinal,
todos sabemos que num ambiente de
alta volatilidade cambial torna-se impossível planejar até mesmo a curto
prazo, quanto mais a médio e longo
prazo. Só aos especuladores de plantão
interessa esse ambiente de sobe e desce
da taxa cambial.
Erram novamente as autoridades ao
afirmarem que "não cabe ao Banco
Central do Brasil nenhum papel na definição da taxa de câmbio de equilíbrio,
cabendo exclusivamente ao mercado a
sua fixação". Primeiro, essa postura
não-intervencionista contraria não só a
prática universal dos bancos centrais,
como a própria lei nš 4.595, de 1964, que
criou o BC brasileiro e que no seu artigo
11 define a responsabilidade da autoridade monetária em garantir a estabilidade e o bom funcionamento do mercado cambial, "podendo para este fim
comprar e vender moeda estrangeira de
suas reservas", quando e se necessário.
Quando o real está muito desvalorizado, os produtos importados, bem como
os exportáveis, tornam-se mais caros, o
que gera inflação e reduz a renda da população. Por outro lado, quando o real
está muito valorizado, as importações
ficam mais competitivas, gerando empregos em outros países e desemprego
no Brasil, e se desestrutura o setor exportador. Portanto são dois cenários
muito nocivos para qualquer economia.
Há que evitar, na medida do possível,
tais efeitos perversos da sub e da sobrevalorização da moeda, especialmente
quando se sabe que atuamos num mercado cambial extremamente imperfeito, seja pelos arcaicos controles de entrada e saída de divisas que ainda perduram na legislação cambial, de certa
forma incompatíveis com o regime de
taxas flutuantes no seu sentido mais puro, seja pela política monetária que nos
é imposta por intervenção do Copom,
fixando uma elevadíssima taxa real de
juros, que, por sua vez, atrai ao mercado
brasileiro capitais financeiros de curto
prazo, puramente especulativos e que
distorcem o fluxo cambial corrente.
Erra ainda o BC ao não aproveitar o
atual fluxo superavitário de moeda forte
para reforçar nosso estoque de reservas,
relativamente muito baixo em comparação com quaisquer índices, como em
relação ao serviço anual da dívida externa ou ao fluxo mensal de importações,
bem como com outros países emergentes comparáveis ao Brasil, que têm reservas cambiais de US$ 38,4 bilhões,
contra, por exemplo, o México (US$ 52
bilhões), a Rússia (US$ 51,8 bilhões) ou
a China (US$ 309,2 bilhões!).
A ordem deveria ser que "nenhuma autoridade do governo falasse mais sobre a taxa de câmbio" e ponto
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Não nos iludamos a respeito do risco
Brasil, sob pena de voltarmos a uma situação de moratória no futuro próximo. Entre os países ditos emergentes, o
Brasil ainda ostenta o mais alto índice
relativo de serviço da dívida sobre exportações, que é de 81%, contra 27% do
México, 16% da Rússia e apenas 9% da
China. Até a Argentina, em aguda crise
cambial, nesse tópico está melhor posicionada que o Brasil, com 67%.
Talvez o recente e notável desempenho da balança comercial brasileira esteja induzindo tanto a opinião pública
como as autoridades econômicas a
acreditarem que o problema das contas
externas está resolvido. Novamente
aqui a ilusão torna-se um risco. Primeiro, porque, se o país voltar a crescer a taxas anuais de 4% a 5% ao ano, como desejamos, as importações crescerão entre
10% e 15% ao ano e o consumo doméstico imporá limites às exportações. Segundo, devemos notar que a relação
causa-efeito em políticas de comércio
exterior tem uma defasagem de pelo
menos seis meses, o que vai nos levar a,
persistindo a alta volatilidade e a sobrevalorização cambial, daqui a seis meses
ver minguar o desempenho exportador
e o saldo da balança comercial.
O ministro da Fazenda, com exceção
da questão cambial, sobre a qual discordamos, tem demonstrado um excepcional bom senso em todos seus pronunciamentos e atitudes, inclusive sobre temas controversos, como as reformas
tributária e previdenciária. Recentemente pronunciou uma frase de grande
efeito, afirmando que só cometeria
eventualmente erros novos, pois não incorreria em erros já conhecidos.
Recorro a essa sua afirmação para
lembrar o que ocorreu na economia
brasileira de julho de 1994 a janeiro de
1999, quando, por conta da estabilidade
monetária a qualquer custo, persistiu-se
no grave erro da sobrevalorização cambial determinada pelas condições macroeconômicas brasileiras, inclusive juros elevadíssimos, que arruinaram as finanças do setor público e dos setores
produtivos de nossa economia, com
consequências que perduram até hoje.
Que o passado nos sirva de lição e que
nossas decisões presentes e futuras não
sejam pretensiosamente distorcidas pela sensação de onipotência e infalibilidade de um efêmero sucesso inicial.
Roberto Giannetti da Fonseca, 53, economista e empresário, é presidente da Sílex Trading S.A.
Foi secretário-executivo da Camex (2000-2002).
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