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São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Moinhos de vento ou impostos exorbitantes?

JORGE BORNHAUSEN

Fui chamado de Dom Quixote pelo ministro José Dirceu e deveria agradecer, com humildade e encantamento, a generosa comparação. Ainda mais porque a citação sugere que repito, na minha diuturna luta oposicionista, o delirante combate aos moinhos de vento, um dos mais pungentes episódios do épico de Cervantes. (Imagino a alegria com que o saudoso Santiago Dantas, o mais importante apologista brasileiro do quixotismo, recolheria o apelido e o encanto que seria sua réplica. Santiago foi amigo e sócio do meu pai e ouvi-o muitas vezes, silente e empolgado com sua cultura e sensibilidade).
Passada a surpresa e a emoção, pois a política brasileira não é pródiga desse tipo de evocação, pergunto-me aonde o ministro-chefe da Casa Civil quis chegar com esse tropo tão honroso para mim. Mas, conhecendo sua objetividade de experiente político, sei que não dispensaria gratuitamente tal galardão ao presidente de um partido da oposição.
Excluo a hipótese equivocada, mas muito comum entre os pobres de espírito, de que o ministro pretendeu desqualificar minhas denúncias sobre a fúria arrecadadora do governo petista, considerando-me um herói sem causa, um louco brandindo sua lança entre as engrenagens dos moinhos manchegos.
Também não me agrada a idéia de que o ministro procurava, como bom dialeta, chamar-me de Dom Quixote para que, pelo contraste, considerassem-no um Sancho Pança, tão realista como pouco nobre de intenções. Apraz-me outra saída, uma solução que serve à causa a que me dedico no momento, a defesa da classe média brasileira diante da fúria arrecadadora do governo do PT, conduzida pela "Regência Trina" constituída pelo próprio ministro Dirceu e os ministros Palocci e Gushiken.
Prefiro pensar que o ministro José Dirceu trocou os sinais da citação. Hon- rou-me com o apelido, mas trocou as bolas, sugerindo que combato o que não existe, quando o delírio de Quixote foi atacar moinhos, coisa concreta, como se fossem Exércitos. Quis desqualificar nossa luta, como se fossem alucinações os aumentos desmedidos de tributos que sobrecarregam o povo e comprometem o desenvolvimento.


Não temos a menor dúvida de que a fúria arrecadatória de impostos justifica nossa cruzada


Sim, porque os aumentos de tributos que a todo momento (na verdade, começou antes da posse, aumentando o Imposto de Renda, a Cide e a CSLL) o governo do PT vem promovendo representam a maior guerra tributária já deflagrada no país, em todos os tempos.
A sequência de batalhas promovidas pelo governo do PT aproveita qualquer pretexto. Como foi o caso surrealista da votação pela Câmara de uma medida provisória sobre o Refis, programa de renegociação de dívidas com o Tesouro. Inopinadamente, o governo utilizou-a para incluir emenda que aumenta em 167% a CSLL paga pelas empresas de serviços e que vai atingir diretamente, por um lado, centenas de milhares de profissionais que bancam suas próprias atividades, como médicos, artistas de TV, jornalistas, advogados, e, por outro lado, o público em geral, pelo encarecimento dos serviços que utilizam. Evidentemente, os 167% de aumento serão repassados aos consumidores.
Nessa mesma operação foi acrescentado o aumento do Cofins, de 3% para 4%, cobrado dos conglomerados financeiros. Surpreendentemente, bancos e instituições congêneres não reclamaram do absurdo, pois não o terão de pagar. Esse tributo é cobrado dos clientes e vai onerar as operações bancárias em geral -e, naturalmente, pesará mais sobre os que menos podem pagar.
Enquanto essa onda de aumentos de tributos, já aprovada pela Câmara, contra o voto dos deputados do PFL, não é votada pelo Senado, surge outra. Já foi oficializado o anúncio de outra má intenção do governo do PT: o Imposto de Renda passará a ter uma alíquota de 35%. Mais aumento de impostos.
Ou serão moinhos de vento?
Não. Embora mantenhamos a disposição de combater os abusos do governo com a pureza de intenções de Dom Quixote, infelizmente, para todos nós, impostos não são moinhos. Na verdade, se for o caso de usar uma figura para facilitar sua compreensão, os aumentos de impostos são diques, obstáculos sem nenhuma poesia ou aparência lúdica, que barram as expectativas de desenvolvimento, desestimulando investimentos, alimentando o desemprego e provocando o aumento de preços.
Quando observamos o panorama das controvérsias e conflitos que hoje opõem a sociedade ao governo, desde a ação do MST, que nada tem com a reforma agrária e se transformou em processo de provocação, aos problemas dos aposentados e aos abusos do serviço público, com a criação de ministérios apenas para dar emprego a políticos derrotados, não temos a menor dúvida de que a fúria arrecadatória de impostos justifica nossa cruzada.

Jorge Bornhausen, 65, senador pelo PFL-SC, é o presidente nacional do partido.


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