São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Cidade enfaixada

RIO DE JANEIRO - Levei um susto quando vi, num apartamento cinco estrelas, em zona nobilíssima da cidade, a faixa com um nome que inicialmente custei a ler e, mais tarde, a entender. O ano é eleitoral e, mais cedo ou mais tarde, infinitas faixas serão estendidas nas casas, nas ruas e em caminhos de todo o Brasil, anunciando o nome dos candidatos. Pois muito bem, deveria haver algum Bastos pleiteando uma cadeira na Câmara Municipal.
Mais adiante, numa curva da Lagoa, encontrei outra faixa, mais bem estendida, e vi que não se tratava de nenhum Bastos, mas de um veemente "Basta". E não devia ser nome de candidato, mas o grito de um prisioneiro que berra, pedindo que parem com a sessão de tortura a que está sendo submetido.
Nos anos 60, um jornal carioca, desesperado com a situação nacional, publicou um editorial com este mesmo "basta". Dirigia-se à nação como um todo, pedindo que parassem com a onda de greves e a bagunça do governo de então. O editorial teve efeito contrário: o governo foi deposto e veio um outro, que durou muito tempo e desesperou mais ainda o país.
No caso do editorial, supunha-se que o grito de socorro fosse atendido, como de fato o foi, embora de forma indesejável. As faixas que começam a aparecer pedindo um "basta" à violência urbana não têm um destinatário certo: pode parecer que se dirigem às autoridades federais, estaduais ou municipais, não importa. Dirigem-se aos bandidos, pedindo que parem de assaltar, de seqüestrar e de matar?
É evidente que não, pelo contrário. Chamam a atenção dos bandos que sentem naquele prédio, naquele apartamento, uma falta de estrutura na segurança e uma oferta de coisas para serem roubadas. Numa batalha, nada irrita mais os guerreiros do que um estandarte pedindo paz.
Para efeito prático, acredito que a faixa seria mais eficiente se em vez do "basta", que não é bastante, fosse escrito o pedido: "Aqui, ô!"."



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