São Paulo, sábado, 16 de maio de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positiva a proposta de mudanças no rendimento da caderneta de poupança?

SIM

Medidas boas e necessárias

JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO

A CADERNETA de poupança é a modalidade de aplicação de recursos mais popular do Brasil. Nos dois últimos anos, vem dando uma demonstração inequívoca da sua importância para a sociedade brasileira, que a tem como verdadeira conquista, cujas características e remuneração exige que sejam preservadas. A poupança deixou de ser o patinho feio entre as modalidades de aplicação financeira e passou a ameaçar seus concorrentes diretos. Na medida em que se reduziam as taxas de juros no mercado internacional e interno, crescia o fantasma representado pela possibilidade de o rendimento da poupança ultrapassar o do principal concorrente, os fundos de investimento em renda fixa, hipótese que, se consumada, colocaria em xeque o equilíbrio do mercado financeiro.
A eventual transferência de aplicadores dos fundos para a poupança implicaria a venda de títulos que compõem as carteiras desses fundos, sobretudo de títulos emitidos pelo Tesouro nacional, que representam cerca de 80% do total. Essa transferência comprometeria o financiamento da elevada dívida pública brasileira e provocaria, como consequência, crescimento substancial dos recursos destinados ao financiamento imobiliário. Esse cenário realmente assustou o mercado financeiro e o governo.
Assim, as medidas propostas são realmente necessárias e, consideradas as condições atuais de alta temperatura e pressão, características de ano pré-eleitoral no Brasil, elas foram surpreendentemente positivas. Os técnicos do Banco Central e da Receita Federal -e, provavelmente, do setor privado- conseguiram elaborar um plano que mantém intacto o rendimento do pequeno e médio aplicador, sem comprometer em demasia os rendimentos líquidos das aplicações com mais de R$ 50.000.
Com base nas projeções para diversos níveis de taxas Selic, entendo que a proposta de tributação para os rendimentos das contas de poupança com saldos elevados, além de coerente, é relativamente suave. Quanto às consequências para os aplicadores em fundos de investimento em renda fixa, as medidas apenas amenizam a situação atual. O aumento da rentabilidade dos fundos, em decorrência da proposta de redução das três maiores alíquotas do Imposto de Renda para 15%, trará alívio por pouco tempo. Deverá ser neutralizado pela redução gradativa da Selic.
E, nesta análise, é fundamental lembrar discretamente aos bancos a necessidade de também colaborarem para maior equilíbrio na distribuição dos rendimentos líquidos dos fundos: não há mais espaço para cobrança de taxas de administração superiores a 2% ou 3% ao ano.
Mas que ninguém se iluda: se aprovadas exatamente como sugeridas, essas medidas terão vida curta. Bastará que a taxa Selic fique abaixo de 9% ou 8,75%, o que poderá acontecer dentro de seis a oito meses, para que o novo cenário exija mudanças mais profundas nas regras do jogo.
E, nessa ocasião, entendo que não haverá alternativa: a taxa de juros de 6,17% ao ano terá que ser reduzida para todos os investidores, independentemente do valor aplicado. Por que isso? Porque o nosso Brasil, felizmente, caminha a passos largos para integrar o bloco dos países mais desenvolvidos do planeta. Nessa elite, não há espaço para pagar taxas anuais de rendimento, líquidas de Imposto de Renda, superiores a 3% ou 4%.
Portanto, é fundamental que o cidadão brasileiro se prepare para essa nova realidade, que fatalmente virá. Embora a oficialização dessas medidas tenha sido prometida para as próximas semanas, é muito provável que demore mais que o previsto, visto que a sua regulamentação deverá ser aprovada pelo Congresso Nacional.
O grande problema é que tem faltado aos nossos representantes naquela Casa competência e responsabilidade para analisar e decidir sobre questões de ordem técnica. Mais que o desconhecimento dos fatores ligados ao equilíbrio e à operacionalização do mercado financeiro, deverá ter maior peso o aspecto político, já que, às vésperas de uma eleição importante, a grande preocupação é com o voto.


JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO, 70, economista, é professor de matemática financeira do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) e vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil.

jdvs@terra.com.br

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