|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
É positiva a proposta de mudanças no rendimento da caderneta de poupança?
SIM
Medidas boas e necessárias
JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO
A CADERNETA de poupança é a
modalidade de aplicação de recursos mais popular do Brasil.
Nos dois últimos anos, vem dando
uma demonstração inequívoca da sua
importância para a sociedade brasileira, que a tem como verdadeira conquista, cujas características e remuneração exige que sejam preservadas.
A poupança deixou de ser o patinho
feio entre as modalidades de aplicação financeira e passou a ameaçar
seus concorrentes diretos. Na medida
em que se reduziam as taxas de juros
no mercado internacional e interno,
crescia o fantasma representado pela
possibilidade de o rendimento da
poupança ultrapassar o do principal
concorrente, os fundos de investimento em renda fixa, hipótese que, se
consumada, colocaria em xeque o
equilíbrio do mercado financeiro.
A eventual transferência de aplicadores dos fundos para a poupança implicaria a venda de títulos que compõem as carteiras desses fundos, sobretudo de títulos emitidos pelo Tesouro nacional, que representam cerca de 80% do total. Essa transferência
comprometeria o financiamento da
elevada dívida pública brasileira e
provocaria, como consequência, crescimento substancial dos recursos
destinados ao financiamento imobiliário. Esse cenário realmente assustou o mercado financeiro e o governo.
Assim, as medidas propostas são
realmente necessárias e, consideradas as condições atuais de alta temperatura e pressão, características de
ano pré-eleitoral no Brasil, elas foram
surpreendentemente positivas.
Os técnicos do Banco Central e da
Receita Federal -e, provavelmente,
do setor privado- conseguiram elaborar um plano que mantém intacto o
rendimento do pequeno e médio aplicador, sem comprometer em demasia
os rendimentos líquidos das aplicações com mais de R$ 50.000.
Com base nas projeções para diversos níveis de taxas Selic, entendo que
a proposta de tributação para os rendimentos das contas de poupança
com saldos elevados, além de coerente, é relativamente suave.
Quanto às consequências para os
aplicadores em fundos de investimento em renda fixa, as medidas apenas amenizam a situação atual. O aumento da rentabilidade dos fundos,
em decorrência da proposta de redução das três maiores alíquotas do Imposto de Renda para 15%, trará alívio
por pouco tempo. Deverá ser neutralizado pela redução gradativa da Selic.
E, nesta análise, é fundamental
lembrar discretamente aos bancos a
necessidade de também colaborarem
para maior equilíbrio na distribuição
dos rendimentos líquidos dos fundos:
não há mais espaço para cobrança de
taxas de administração superiores a
2% ou 3% ao ano.
Mas que ninguém se iluda: se aprovadas exatamente como sugeridas,
essas medidas terão vida curta. Bastará que a taxa Selic fique abaixo de 9%
ou 8,75%, o que poderá acontecer
dentro de seis a oito meses, para que o
novo cenário exija mudanças mais
profundas nas regras do jogo.
E, nessa ocasião, entendo que não
haverá alternativa: a taxa de juros de
6,17% ao ano terá que ser reduzida para todos os investidores, independentemente do valor aplicado.
Por que isso? Porque o nosso Brasil,
felizmente, caminha a passos largos
para integrar o bloco dos países mais
desenvolvidos do planeta. Nessa elite,
não há espaço para pagar taxas anuais
de rendimento, líquidas de Imposto
de Renda, superiores a 3% ou 4%.
Portanto, é fundamental que o cidadão brasileiro se prepare para essa
nova realidade, que fatalmente virá.
Embora a oficialização dessas medidas tenha sido prometida para as
próximas semanas, é muito provável
que demore mais que o previsto, visto
que a sua regulamentação deverá ser
aprovada pelo Congresso Nacional.
O grande problema é que tem faltado aos nossos representantes naquela
Casa competência e responsabilidade
para analisar e decidir sobre questões
de ordem técnica.
Mais que o desconhecimento dos
fatores ligados ao equilíbrio e à operacionalização do mercado financeiro,
deverá ter maior peso o aspecto político, já que, às vésperas de uma eleição importante, a grande preocupação é com o voto.
JOSÉ DUTRA VIEIRA SOBRINHO, 70, economista, é professor de matemática financeira do Insper (Instituto de
Ensino e Pesquisa) e vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil.
jdvs@terra.com.br
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Alexandre Jorge Chaia: Decisões econômicas, premissas políticas
Índice
|