São Paulo, sábado, 16 de maio de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

NÃO

Decisões econômicas, premissas políticas

ALEXANDRE JORGE CHAIA

A PESAR DO esforço do governo em buscar uma equação que possa solucionar a possível transferência significativa de recursos dos fundos de investimento para aplicações em caderneta de poupança, me parece que a proposta apresentada no último dia 13 pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) não contemplou a real causa do problema. A questão central da migração de recursos está relacionada às taxas de administração cobrada pelos fundos de investimentos em renda fixa, que oscilam entre 0,5% a 4,5% ao ano.
Tomando como exemplo um fundo que cobra 2,5%, o retorno bruto, caso a taxa de juros básica seja 10,5% ao ano, é de 8%. Considerando ainda o imposto de renda de 1,2%, calculado aplicando a alíquota de 15% sobre o ganho bruto, chegamos a um retorno líquido de 6,8% ao ano. Como esse rendimento é superior ao da caderneta de poupança, que rende aproximadamente 6,5% ao ano, a decisão do investidor será manter suas aplicações em fundos. Caso a taxa de juros básica seja menor que 10%, o retorno da caderneta de poupança passará a ser mais atrativo que o dos fundos.
A decisão do governo para evitar a migração foi tributar os investidores que possuem recursos superiores a R$ 50 mil, não penalizando os pequenos poupadores. Porém, a decisão incorreta do governo está no fato de assumir que pequenos e grandes investidores pagam a mesma taxa de administração. Aos grandes investidores as instituições financeiras oferecem, naturalmente, taxas de administração mais competitivas. Por isso, não há motivos para que esses investidores migrem suas aplicações para a poupança enquanto a taxa de juros básica estiver acima de 8,5%.
Por outro lado, os investidores que possuem recursos abaixo de R$ 50 mil e que têm menor poder de negociação com as instituições financeiras serão mais propensos a transferir seus recursos, e a proposta de tributação do governo para as cadernetas de poupança será inócua. Essa questão torna-se ainda mais relevante porque a maior parte do volume em fundo de renda fixa está concentrada na mão desses aplicadores.
A partir dessa análise, poderá haver duas grandes consequências para a economia brasileira: um possível aumento do custo de financiamento da dívida pública, com perda de capacidade de investimento do governo, e a criação de uma bolha de crédito imobiliário no mercado nacional, nos moldes da que deu início à atual crise financeira internacional.
A elevação do custo de financiamento da dívida pública ocorrerá porque são os fundos de investimento em renda fixa que normalmente adquirem grande parte dos títulos emitidos pelo governo. Como os recursos da caderneta de poupança são obrigatoriamente destinados ao financiamento imobiliário, o Tesouro nacional perderá o seu melhor "cliente".
Com menos clientes, o governo terá que elevar o ganho oferecido na venda de novos títulos, reduzindo o benefício da queda da taxa básica no pagamento de juros da dívida pública. Quanto à bolha de crédito imobiliário, devido à regra de aplicação de 65% dos recursos da caderneta de poupança em financiamentos habitacionais, haverá um aumento do volume de dinheiro disponível, que obrigatoriamente deverá ser destinado à concessão de novos financiamentos.
Como atualmente a economia não está em momento de forte expansão, esses recursos adicionais forçarão as instituições financeiras a diminuir as exigências necessárias para os novos mutuários, criando um ambiente propício a uma maior inadimplência no médio prazo. Para resolver definit
ivamente o problema, o governo deveria estabelecer as mesmas condições para todas as opções de investimento, incluindo a mesma alíquota de tributação tanto para aplicações em poupança quanto para os fundos de investimento. Mas essa medida apresenta um caráter negativo do ponto de vista político, pois parece que o governo está tributando as pessoas de menor poder aquisitivo.
Mais uma vez, o governo adia a situação, esperando que algum milagre possa solucionar os problemas.


ALEXANDRE JORGE CHAIA, 42, economista, mestre em administração pela USP, é professor de derivativos e risco do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).


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