|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Santa Sé monetária
Bancos centrais devem ter metas estabelecidas pelo poder político, mas precisam de autonomia para alcançá-las
DOIS EPISÓDIOS recentes
oferecem uma oportunidade de reflexão sobre a autonomia do
Banco Central.
O primeiro foi a entrevista do
candidato tucano José Serra à
rádio CBN. O segundo, o desempenho do Banco Central Europeu (BCE) na tentativa de evitar
a ampliação da crise financeira
que atingiu a Grécia.
Indagado se respeitaria a autonomia da instituição, Serra disse
que o BC não é a Santa Sé e que
nenhum grupo pode estar acima
do bem e do mal. Em momentos
de emergência ou diante de um
erro crasso, afirmou que faria
sentir sua posição.
São conhecidas as críticas que
o candidato dirigiu à política monetária durante o governo Lula.
Mas o importante é que, mesmo
eventualmente errado nas opiniões sobre o BC, Serra acerta ao
problematizar o significado da
autonomia.
Antes de mais nada, a autonomia não é de mandato ou incumbência, mas de operação. O mandato é determinado pela autoridade eleita e pode assumir várias
formas, de acordo com a história
e a cultura de cada país.
Na Alemanha, devastada pela
hiperinflação nos anos 1920 e
depois pela Segunda Guerra, a
estabilidade de preços estava acima de tudo. O BCE herdou essa
tradição -e só agora, com a crise
na zona do euro, começou a mostrar-se mais flexível.
Nos EUA, o Fed persegue um
duplo objetivo -estabilidade de
preços e pleno emprego.
Sem a margem de manobra
conferida por essa duplicidade,
teria reagido com a mesma rapidez e imaginação para combater
a crise de 2008?
No Brasil, o mandato do BC é
cumprir a meta de inflação. E
não há dúvida de que a autonomia operacional é parte essencial da política econômica que
tem permitido ao país crescer
com estabilidade. Deve, portanto, ser preservada de intervenções políticas irresponsáveis.
Mas isso não significa que um
presidente da República não
possa propor outros critérios. Já
se discutiram, por exemplo, sugestões de mudanças no período
de vigência da meta de inflação,
para desvinculá-la do ano-calendário. O BC, como o Fed, também poderia levar em conta parâmetros como emprego e crescimento. Nada disso representaria, por si, a ruína da estabilidade.
Veja-se o giro de 180 graus dado pelo BCE em sua maneira de
lidar com a crise. Em meio ao colapso dos mercados na primeira
semana de maio, vários economistas pediam a intervenção da
autoridade monetária na forma
de compra direta de títulos públicos. Mas o presidente da instituição rechaçou o apelo, com base em consideração técnica.
Em condições de crise, no entanto, haverá sempre uma interferência maior do poder político.
E foi o que aconteceu. O presidente do banco viu-se obrigado a
voltar atrás. Três dias depois, fez
o que disse que não faria. E o paradoxo é que, ao agir desta forma,
o BC europeu preservou sua autonomia e credibilidade.
Próximo Texto: Editoriais: Volta ao passado
Índice
|