São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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Santa Sé monetária

Bancos centrais devem ter metas estabelecidas pelo poder político, mas precisam de autonomia para alcançá-las

DOIS EPISÓDIOS recentes oferecem uma oportunidade de reflexão sobre a autonomia do Banco Central.
O primeiro foi a entrevista do candidato tucano José Serra à rádio CBN. O segundo, o desempenho do Banco Central Europeu (BCE) na tentativa de evitar a ampliação da crise financeira que atingiu a Grécia.
Indagado se respeitaria a autonomia da instituição, Serra disse que o BC não é a Santa Sé e que nenhum grupo pode estar acima do bem e do mal. Em momentos de emergência ou diante de um erro crasso, afirmou que faria sentir sua posição.
São conhecidas as críticas que o candidato dirigiu à política monetária durante o governo Lula. Mas o importante é que, mesmo eventualmente errado nas opiniões sobre o BC, Serra acerta ao problematizar o significado da autonomia.
Antes de mais nada, a autonomia não é de mandato ou incumbência, mas de operação. O mandato é determinado pela autoridade eleita e pode assumir várias formas, de acordo com a história e a cultura de cada país.
Na Alemanha, devastada pela hiperinflação nos anos 1920 e depois pela Segunda Guerra, a estabilidade de preços estava acima de tudo. O BCE herdou essa tradição -e só agora, com a crise na zona do euro, começou a mostrar-se mais flexível.
Nos EUA, o Fed persegue um duplo objetivo -estabilidade de preços e pleno emprego.
Sem a margem de manobra conferida por essa duplicidade, teria reagido com a mesma rapidez e imaginação para combater a crise de 2008?
No Brasil, o mandato do BC é cumprir a meta de inflação. E não há dúvida de que a autonomia operacional é parte essencial da política econômica que tem permitido ao país crescer com estabilidade. Deve, portanto, ser preservada de intervenções políticas irresponsáveis.
Mas isso não significa que um presidente da República não possa propor outros critérios. Já se discutiram, por exemplo, sugestões de mudanças no período de vigência da meta de inflação, para desvinculá-la do ano-calendário. O BC, como o Fed, também poderia levar em conta parâmetros como emprego e crescimento. Nada disso representaria, por si, a ruína da estabilidade.
Veja-se o giro de 180 graus dado pelo BCE em sua maneira de lidar com a crise. Em meio ao colapso dos mercados na primeira semana de maio, vários economistas pediam a intervenção da autoridade monetária na forma de compra direta de títulos públicos. Mas o presidente da instituição rechaçou o apelo, com base em consideração técnica.
Em condições de crise, no entanto, haverá sempre uma interferência maior do poder político. E foi o que aconteceu. O presidente do banco viu-se obrigado a voltar atrás. Três dias depois, fez o que disse que não faria. E o paradoxo é que, ao agir desta forma, o BC europeu preservou sua autonomia e credibilidade.


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