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CLÓVIS ROSSI
Orgulho e cobiça
MADRI - Na terça-feira, o rei da
Espanha, dom Juan Carlos 1º, deixou o hospital universitário (e público) Clinic, de Barcelona, depois
de extrair um nódulo (não canceroso) do pulmão.
Saiu dizendo que a Espanha deveria se orgulhar de seu sistema público de saúde.
No dia seguinte, o governo, no bojo de um pacotaço de ajuste fiscal,
cortou 5% dos salários do funcionalismo, inclusive dos profissionais da
saúde. Medida inédita nos 33 anos
de democracia.
O que aconteceu de um dia para o
outro? O rei morreu? Internou-se
em uma clínica privada para curar-se de uma infecção hospitalar contraída no hospital público? Nada. O
rei está bem.
O problema é que o rei reina, mas
não governa. Até aí, um clássico das
monarquias parlamentares. O problema é que o presidente do governo também não governa mais. Nem
na Espanha nem em qualquer outro lugar da Europa, pelo menos.
Governam os mercados. A Espanha vinha sendo exemplo de bom
comportamento fiscal: deficit minúsculos até 2004 e, daí até 2007,
superavit. Vem a crise global, o governo se vê obrigado a estimular a
economia, para evitar o colapso total, e inexoravelmente o deficit público dispara, como ocorreu em
quase todo o mundo.
Vêm, então, os mercados e exigem sangue, como lobos que são,
conforme os definiu o ministro sueco Anders Borg.
A Europa/FMI/Bancos Centrais
dão carniça (pacote de US$ 1 trilhão). A Bolsa espanhola tem a
maior alta em um dia de sua história. Dois dias depois, sai o pacote de
ajuste fiscal, exigido pelos mercados, que impõem, no entanto, uma
queda na Bolsa pior do que a do período agudo da crise em 2008.
Os lobos perceberam que vampirizar a economia pode impedir que
o governo pague a dívida.
Tarde demais: a cobiça já venceu
o orgulho.
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