São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

As vozes vitais das mulheres

DONNA HRINAK


Não podemos esquecer que o investimento em recursos humanos vai pagar os dividendos mais altos

O Brasil que vim a conhecer e a amar 18 anos atrás, na primeira vez em que servi no consulado em São Paulo, é diferente em muitas maneiras do Brasil que estou conhecendo novamente, como embaixadora. Hoje o Brasil é uma nação muito mais confiante, dinâmica e direcionada para o futuro.
Apesar de eu certamente estar sujeita a acusações de preconceito sexual, creio que uma grande parcela do crédito por essa transformação pode ser atribuída às brasileiras. E isso me deixa ainda mais otimista com o futuro desta nação.
Desde minha chegada a Brasília, há dois meses, estou impressionada com a nova face da liderança política no Brasil. Da prefeita Marta Suplicy, de São Paulo, à governadora Benedita da Silva, do Rio de Janeiro, fiquei satisfeita com o intercâmbio de idéias com uma nova geração de líderes. As mulheres brasileiras no Congresso, nos governos municipais, no Executivo e em toda a sociedade trazem um ponto de vista diferente ao debate político. E todos sabemos que mais vozes, mais pontos de vista enriquecem o diálogo democrático.
Quando ingressei no serviço público dos EUA, há 28 anos, muito poucas mulheres ocupavam altos postos diplomáticos. Havia também poucas mulheres no Congresso. Há ainda um longo caminho a percorrer, mas as mulheres americanas deram grandes passos. Para enfatizar a necessidade de mais progresso, as 34 nações que se reuniram na Cúpula das Américas de Miami, em 1994, incluíram maior participação política e igualdade de proteção perante a lei para as mulheres como uma das metas hemisféricas.
Quatro anos atrás, mulheres de todo o hemisfério se reuniram em Montevidéu para divisar formas nas quais as nações da região poderiam assegurar que as vozes vitais das mulheres fossem ouvidas. Esse movimento, chamado de Vozes Vitais, resultou em uma série de projetos, ainda em andamento, destinados a garantir que as mulheres obtenham direitos e oportunidades iguais para participar da vida política e econômica.
No decorrer do último ano, por exemplo, a embaixada dos EUA ajudou a trazer ao Brasil a Liga das Mulheres Eleitoras, para compartilhar idéias, técnicas e estratégias a fim de fazer com que mais mulheres ocupem papéis de liderança política. Nos workshops realizados em São Paulo, Curitiba e Recife representantes da liga compartilharam experiências sobre como realizar campanhas e criar alianças políticas eficientes.
A embaixada também arranjou para que o Conselho de Legisladores Estaduais dos EUA promovesse intercâmbios entre legisladoras dos dois países, permitindo que as mulheres que frequentemente se sentem um pouco isoladas sintam a força dos números no hemisfério.
O Brasil realmente reconhece o valor agregado de incluir as mulheres no sistema político e de capacitá-las economicamente. Há muito que estudos vêem demostrando que dar poder econômico às mães é a forma mais eficaz de promover a mudança social. A Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional vem trabalhando há anos em apoio ao Bolsa-Escola no Brasil, que paga às famílias para que mantenham seus filhos na escola. E parte do sucesso do programa tem sido, certamente, a política de assegurar que o dinheiro seja entregue às mães, pois elas já provaram, no mundo todo, que sabem como investir em mudanças reais para suas famílias.
As brasileiras estão progredindo tanto econômica quanto politicamente, mas as distâncias entre homens e mulheres permanecem demasiadamente grandes. Os dados do censo de 2000 mostram que as brasileiras ganham 71% do que os brasileiros ganham, apenas 63% a mais do que dez anos atrás. Os mesmos números mostram que cada vez mais as mulheres são responsáveis pelo sustento da família -25% dos lares brasileiros já são chefiados por mulheres. Esses índices são bem semelhantes aos dos EUA, onde as mulheres ganham quase um terço a menos do que os homens nas mesmas profissões e onde números crescentes de mulheres são responsáveis por suas famílias.
Além de compartilhar estratégias para dar poder às mulheres, os EUA e o Brasil devem redobrar os esforços para proporcionar educação de qualidade a homens e mulheres igualmente. As pesquisas indicam claramente que a maior influência no sucesso acadêmico de uma criança é a educação e o nível de renda da mãe. As mães que lêem e escrevem bem, que têm um futuro promissor deixam esse sucesso como herança para seus filhos.
Como nós frequentemente nos concentramos em acordos comerciais, investimento exterior e taxas de câmbio como indicadores-chave do progresso neste hemisfério, não podemos esquecer que o investimento em recursos humanos -especialmente nas mulheres- vai pagar os dividendos mais altos. No Brasil e nos EUA, precisamos ter mais juízas, mais políticas, mais advogadas e médicas, engenheiras e acadêmicas. Precisamos permitir que essas vozes vitais sejam ouvidas.
A nova face do Brasil me deixa otimista quanto a estarmos pavimentando essa estrada rumo ao progresso.


Donna J. Hrinak, 51, é embaixadora dos Estados Unidos no Brasil.


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