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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aspirina e sal de fruta

JOÃO SAYAD

O Zé tem gastrite e dor de cabeça. Quando está com dor de cabeça, toma aspirina. Quando está com gastrite, toma sal de fruta. O sal de fruta ajuda a diminuir a dor de cabeça. A aspirina agrava o problema de gastrite.
O médico foi muito claro: dor de cabeça, aspirina; queimação no estômago, sal de fruta.
Se o Zé desobedecer o médico, isto é, tomar sal de fruta para dor de cabeça e aspirina para a gastrite, vai se sentir cada vez pior. A aspirina vai aumentar a gastrite. A solução é instável.
Remédios têm vantagens comparativas: aspirina é boa para dor de cabeça, e sal de fruta, ainda que diminua a dor de cabeça, é bom mesmo para gastrite, e não para dor de cabeça.
A economia brasileira tem dois problemas: inflação e desequilíbrio no balanço de pagamentos.
Quando o Banco Central aumenta as taxas de juros, resolve dois problemas: reduz as pressões inflacionárias e atrai dólares que reequilibram as contas externas. Quando a taxa cambial se desvaloriza, a pressão inflacionária aumenta. Ao mesmo tempo, as exportações crescem, as importações diminuem e o balanço de pagamentos se reequilibra.
Quem é o sal de fruta e quem é a aspirina? Como o Banco Central deve reagir: aumentar a taxa de juros quando existe pressão inflacionária ou aumentar a taxa de juros quando existem problemas no balanço de pagamentos?
A pergunta foi feita pelo professor Robert Mundell, Prêmio Nobel da Universidade de Chicago e brilhante monetarista. A resposta depende das vantagens comparativas da taxa de juros como mecanismo de combate à inflação e de reequilíbrio das contas externas.
Em geral, podemos dizer que: quanto maior a mobilidade de capitais internacionais; quanto maior a parcela dos preços regulados, indexados ou fixados por regras de "mark-up"; quanto maior a resposta das exportações e das importações à taxa cambial; quanto maior a parcela de preços que depende da taxa cambial (gasolina, trigo, matérias-primas e produtos comerciáveis em geral); tanto maior será o efeito da taxa de juros sobre o câmbio e menor sobre a inflação.


O país está tomando sal de fruta para curar a dor de cabeça. Em caso de persistência dos sintomas, o médico deve ser consultado


A política de fixação das taxas de juros em função das metas de inflação, chamada de "inflation targeting", será tanto mais instável quanto mais sensível for a taxa de câmbio à taxa de juros.
Depois que as taxas de juros subiram para 26,5 % ao ano, o preço do dólar caiu de quase R$ 3,57 por dólar para menos de R$ 3. A inflação diminuiu, mas as exportações serão menores e as importações, maiores. A política de metas de inflação parece instável.
Já vimos essa instabilidade no período de câmbio flutuante do governo anterior -choque externo, o câmbio sobe, o governo aumenta os juros, o câmbio volta. A inflação é controlada à custa do câmbio, e a dependência do capital externo, com exportações mais baixas e importações mais altas, continua.
Mais tarde, os investidores externos se preocupam novamente com a dívida externa brasileira ou algum país emergente entra em crise, e o câmbio sobe, o governo aumenta as taxas de juros e começa tudo de novo.
A política de "inflation targeting" tem grande chance de determinar uma alocação instável de instrumentos a objetivos de política econômica. A taxa de juros deveria ser fixada em função da taxa de câmbio, e não em função da inflação. E a inflação deveria ser controlada, no curto prazo, pela política fiscal, e, no longo prazo, pelo crescimento das reservas próprias do país, isto é, por mais exportações e menos importações.
O país está tomando sal de fruta para curar a dor de cabeça. A regra é instável, segundo o prof. Mundell. Em caso de persistência dos sintomas, o médico deve ser consultado.


João Sayad, 57, é doutor em economia pela Universidade Yale (EUA). Foi secretário de Finanças e Desenvolvimento da prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy), secretário da Fazenda do Estado de São Paulo (governo Montoro) e ministro do Planejamento (governo Sarney).


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