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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Educação e desenvolvimento

CARLOS R. ANTUNES DOS SANTOS

"Para os homens se insurgirem, foi necessário antes se espantarem." Lucien Febvre

Diante dos atos terroristas que inundam o mundo, do desrespeito ao direito internacional, da volta da ONU ao estágio de Liga das Nações, das bombas "humanitárias" sobre o Iraque, da proposta da educação como mercadoria na OMC, do viver sob o signo do medo no Rio de Janeiro, da pandemia provocada pela Sars (síndrome respiratória aguda grave), da destruição de verdadeiros patrimônios da humanidade, como as pilhagens dos museus iraquianos, é de perguntar se a civilização cedeu lugar à barbárie, com a eliminação dos valores universais, ou por onde andará a vida inteligente no planeta.
No mundo contemporâneo, de incertezas permanentes, tudo parece se resumir a indicadores que apontam não mais um quadro próprio da sociedade do bem-estar social, mas trata-se de uma certa sociedade do chamado "bem-estar ativo", que impõe o trabalho produtivo como a variável essencial.
No Brasil, vivemos praticamente a mesma situação, sob o império dos indicadores: equilíbrio fiscal, déficit público, taxa de juros, estabilidade da moeda, risco Brasil -que mede a desconfiança dos investidores-, a focalização versus a universalização das políticas sociais, enfim, um quadro que traz a sensação de estarmos construindo apenas uma sociedade de resultados.
Num contexto internacional de obsessão pelo mercado e sob o embalo das guerras, constata-se, hoje, que a própria religião se inseriu na dinâmica da violência. Nessas mudanças de paradigmas, é fundamental priorizar a educação como o caminho democrático para a paz.
A história tem demonstrado que não se faz a revolução de uma sociedade sem a educação integral, pois a metamorfose dos esfomeados e analfabetos só acaba com a instrução -quando se adquire, ao mesmo tempo, autonomia e cidadania. Em nosso país, a necessidade da educação exige, imperativamente, um novo contrato social, de longo alcance, suprapartidário e de compromisso coletivo.
No Brasil o problema da educação é, na verdade, a falta de educação, quadro que já virou tragédia e causa indignação. De acordo com o ministro Cristovam Buarque, se diminuísse o analfabetismo no país, o Judiciário teria menos trabalho. Dessa forma, a afirmação política da educação como função de Estado e estratégia de governo para o desenvolvimento -esse é o lugar da educação- é preconizada pela administração do presidente Lula.


A história tem demonstrado que não se faz a revolução de uma sociedade sem a educação integral


O combate ao analfabetismo, a recuperação da qualidade republicana da escola pública, a preservação, a renovação e a expansão do ensino superior de qualidade são compromissos de resgate do Brasil com a sua história, com o seu futuro, com a cidadania, com a grandeza da nação.
A reestruturação produtiva, como fundamento básico de novas demandas sociais, necessita intensificar os debates sobre o papel da educação e, em particular, do ensino superior. É evidente que a universidade brasileira, principalmente com a conquista da dedicação exclusiva e da pós-graduação, deu saltos de qualidade, contribuindo decisivamente na formação de quadros, na produção de pesquisas de ponta e numa intensa atividade extensionista -parâmetros fundamentais para o desenvolvimento do país.
A atual conjuntura, marcada por conflitos que deságuam em uma nova geopolítica internacional, estimula uma reavaliação de cenários e tendências políticas que afetam programas de integração regional, parcerias internacionais e políticas públicas nacionais.
Diante dos novos desafios postos pela contemporaneidade, exigir-se-á da universidade do século 21 um esforço capaz de romper a oposição entre civilização e barbárie, natureza e cultura, isolamento e integração. Os novos desafios estimulam a instituição a repensar as relações com a sociedade, induzirão à superação da inércia fragmentária, da excessiva disciplinação, sob o peso de uma estrutura administrativa e acadêmica que ultrapassa os 30 anos de existência e que precisa mudar.
Em face das complexidades e incertezas postas pela globalização, cabe ao Estado formular políticas e dotar as condições para que a universidade do século 21 implemente sua república emancipatória, a partir da autonomia, com responsabilidade social. Dessa forma, a universidade necessária poderá se afirmar enquanto instituição supra-estatal, bem público, patrimônio da humanidade, formadora de um novo processo civilizatório com dimensões socializantes, democráticas e emancipadoras, lugar onde se inventa e reinventa o novo, a cada instante.
Apostar que um outro mundo é admissível é ter consciência de que a educação fará um outro Brasil possível, onde uma nova universidade também é possível.


Carlos Roberto Antunes dos Santos é secretário de Educação Superior do Ministério da Educação. Foi presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (2001-2002) e reitor da Universidade Federal do Paraná (1998-2002).


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