São Paulo, terça-feira, 16 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Viva São Paulo

WALTER FELDMAN

Não é de hoje que São Paulo desperta sentimentos equivocados entre alguns de nossos irmãos brasileiros. São erros de interpretação e julgamento, de natureza cultural e política, que vêm de longe, dos tempos do Império. Provavelmente só serão superados mais adiante, na plenitude da modernidade. Tomemos, apenas como exemplo historicamente oportuno, o que ocorreu há exatos 70 anos, quando os paulistas se lançaram em armas.
São Paulo é o único Estado a comemorar a data de 9 de julho e a homenagear os heróis que lutaram na Revolução Constitucionalista de 1932. Para São Paulo, o que estava em questão não era uma disputa entre jovens tenentes, de um lado, e velhos latifundiários de outro. Nem entre interesses agrários e industriais, entre o arcaico e o moderno, entre o café e o leite.
São Paulo lutou, luta e sempre lutará por princípios. E, se hoje eles estão consagrados no arcabouço institucional brasileiro, devemos aos combatentes de 32. Como o direito ao sufrágio universal e secreto (não se pode esquecer que as mulheres não tinham direito a voto). E são fundamentos como o do pacto federativo, pelo qual o Brasil é uno e indivisível e as unidades da Federação devem sempre convergir para o interesse maior da nação.
Incompreensões fazem parte da vida. Logo, também fazem parte do jogo democrático. Porém não se pode calar diante da injustiça nem deixar de apontar o erro, para que ele não se repita. Por essa razão, requer o mais vigoroso e contundente reparo a interpretação, do companheiro Aécio Neves, de que haveria "concentração excessiva de poder em um Estado apenas da Federação... São Paulo" (Folha, pág. A7, 9/7). Não é verdade, tanto do ponto de vista político quanto da contribuição econômica, científica e cultural de São Paulo. Aos fatos:
São Paulo, ou mais precisamente os eleitores de São Paulo, é sub-representado no espaço político nacional, qualquer que seja o critério de ponderação que se pretenda utilizar. Só para usar o mais simples, a proporção entre o número de eleitores e o de deputados no Parlamento federal: São Paulo tem 22% dos eleitores, mas apenas 13,6% dos deputados. E Minas Gerais, ainda que em menor proporção, sofre do mesmo problema: tem mais de 11% dos eleitores do país, mas menos de 10% dos deputados.
A distorção na representação, inserida por uma visão equivocada de federalismo e ampliada pelos interesses escusos da ditadura de criar maioria a qualquer preço, certamente deveria ser uma preocupação muito maior do que a existência de uma "concentração de poder", que é apenas fictícia.


São Paulo costuma ser fortemente preterido em seus pleitos. Pior, passou a sofrer os efeitos de uma "guerra fiscal"


Do ponto de vista econômico, tomemos o exemplo mais simples da divisão do bolo tributário. No Orçamento da União, São Paulo contribui na receita com R$ 85 bilhões e recebe na despesa apenas R$ 5 bilhões.
De fato, no terreno da ciência e da cultura, o deputado Aécio Neves, infelizmente, tem razão ao falar de concentração. Porque seria ótimo compartilhar com outros Estados o orgulho que São Paulo tem de concentrar algumas das melhores universidades do país, como as três instituições públicas (USP, Unesp e Unicamp), que recebem 9,57% do Orçamento estadual.
Já a Fapesp destina 1% da receita estadual exclusivamente para financiar a pesquisa científica e tecnológica. Não faz mais do que cumprir rigorosamente uma obrigação constitucional que todos os Estados deveriam seguir.
Por todo esse esforço, São Paulo é reconhecido mundialmente como centro de excelência em arte, em ciência, em cultura, em tecnologia, em medicina etc. E o deputado Aécio Neves há de convir, quem ganha com isso são todos os brasileiros.
Muito ao contrário do que afirma o companheiro, São Paulo costuma ser fortemente preterido em seus pleitos. Pior, passou a sofrer os efeitos de uma "guerra fiscal", esta sim fratricida e impatriótica, como se os brasileiros que aqui vivem -vindos de todos os lugares do Brasil- fossem diferentes dos demais brasileiros.
Para além dos equívocos e das injustiças, mais importante é invocar os ideais da liberdade, da igualdade e da democracia, pelos quais lutaram e venceram os heróis de 32. E continuar a agir segundo seu exemplo, como aprendemos com o estadista Mário Covas, que jamais se curvou à tentação de, por exemplo, se lançar a uma guerra fiscal, mesmo ao custo de ser incompreendido. Afinal, cedo ou tarde os preconceitos sucumbem ao exame da história.
Finalmente, porque sabemos nós, brasileiros de todos os rincões, que exortar o papel de São Paulo significa, em primeiro lugar, levantar um único brado: viva o Brasil.


Walter Feldman, 48, médico, deputado estadual (PSDB), é presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo. Foi secretário da Casa Civil do Estado de São Paulo (1997-98).



Texto Anterior:
TENDÊNCIAS/DEBATES
Roberto Romano: Contra o foro privilegiado dos políticos

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.