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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Estado de espírito

Quando separado de suas complexidades, o desenvolvimento econômico se resume em aumentar o estoque de capital físico (isto é, o nível de investimento deve ser superior à depreciação), incorporar no novo capital (resultado do investimento) novas tecnologias (resultado da pesquisa) e aumentar o estoque de capital humano (mais educação e mais saúde). É a manipulação do estoque de capital físico (infra-estrutura, energia, máquinas e equipamentos) por um capital humano superior que eleva o nível da produção da mão-de-obra. A esse processo cumulativo se chama desenvolvimento. É claro que é sempre possível qualificar essa definição com objetivos fortemente desejáveis, como a redução das desigualdades (em particular e eliminação da pobreza absoluta) e a sustentabilidade (o respeito à conservação do ambiente), mas isso não modifica a essência do processo.
Vê-se, desde logo, que o desenvolvimento só pode ser obra conjunta do setor privado e do governo. De um setor privado constituído por empresários ativos e imaginosos e capazes de descobrir as oportunidades de investimento. De trabalhadores diligentes, inteligentes, preparados (educação) e hígidos (saúde). De um governo apoiado em instituições que propiciam aos agentes econômicos a apropriação dos benefícios de sua atividade. O governo também precisa ser eficiente, o que significa o menor gasto de custeio possível e a maior taxa de investimento na infra-estrutura, no capital humano e na administração da justiça.
Normalmente, quais são os fatores limitantes do processo de desenvolvimento? Quando toda a mão-de-obra já está empregada, a única forma de crescer é aumentar a sua produtividade. Isso exige a aceleração da substituição do velho estoque por capital novo que incorpore tecnologia superior, ou seja, pelo aumento do investimento na pesquisa. Uma segunda limitação é que o aumento da produção e da produtividade exige que se complemente a produção interna com a importação de bens e serviços (que incorporam a tecnologia já desenvolvida no exterior). Essa importação tem de ser paga com a exportação de parte da produção interna. Quando a troca se faz atendendo às condições das vantagens comparativas, aumenta ainda mais a capacidade de produzir um desenvolvimento eficiente (isto é, com aumento mais rápido da produtividade da mão-de-obra).
Mas quando se dá o surto de desenvolvimento? O esquema é "mecânico", mas o desenvolvimento é um "estado de espírito". Ele se realiza quando se desperta o "animal spirit" do empresariado que vê um futuro promissor de bons lucros. Trata-se de um processo infeccioso: cada novo investimento ou aumento de produção cria condições de demanda para "outro" investimento ou ampliação da produção, e assim por diante, cada um ampliando a sua oferta e a demanda dos outros...
A política econômica tem de cuidar para que a infecção não eleve a febre (inflação) ou não produza uma hemorragia mortal (déficit em conta corrente), porque, na emergência de uma ou de outra, o processo tem de ser abortado pela taxa de juro.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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