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CARLOS HEITOR CONY
O funeral de César
RIO DE JANEIRO - Um amigo chamou minha atenção para a insistência com que venho elogiando e criticando Lula quase ao mesmo tempo.
Guardadas as infinitas diferenças de
autoria e de assunto, ele lembrou o
discurso de Marco Antônio no funeral de César. Como se sabe, naquela
conspiração contra o ditador, não
apenas Brutus mas todos os outros
eram homens honrados, "so are they
all, all honourable men".
Otto Maria Carpeaux tinha uma
teoria engraçada. Ele achava que
Brutus e os conspiradores que armaram os idos de março eram os verdadeiros fundadores da antiga UDN, a
UDN do brigadeiro Eduardo Gomes,
do Carlos Lacerda, do Milton Campos, do Aliomar Baleeiro, do Adauto
Cardoso. Eram todos homens
honrados, honradíssimos. Mas reacionários como o Diabo gosta.
Criticar Lula no varejo e no atacado seria repetir o reacionarismo da
velha UDN, que terminaria sendo o
núcleo político do regime militar de
1964. Acredito que a UDN residual,
que de alguma forma se instalou no
PFL e em parte substancial do PSDB,
seja a única a condenar Lula explicitamente, como cabeça, tronco e
membros dos recentes problemas nacionais.
O melhor que se pode fazer é abrir
generoso crédito para o presidente,
que, além de honrado, é boa pessoa e
quer e pode acertar. Mas sem esquecer que, até agora, revelou certa inadequação para governar um país como o nosso.
Não sou dado a alucinações suficientes para dar uma de Marco Antônio. E seria o último dos mortais a falar no funeral de César ou de qualquer outro César. E, vamos e venhamos, Lula está longe de ser candidato
a tamanha e definitiva conspiração.
Mas os erros de sua equipe, as prioridades que estão sendo tomadas e,
sobretudo, o espírito de clã, de eleitos
que começam a dominar a vida nacional, merecem uma advertência
ainda cordial, mas deixando claro
que se trata de homens errados, mas
honrados.
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