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São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O funeral de César

RIO DE JANEIRO - Um amigo chamou minha atenção para a insistência com que venho elogiando e criticando Lula quase ao mesmo tempo. Guardadas as infinitas diferenças de autoria e de assunto, ele lembrou o discurso de Marco Antônio no funeral de César. Como se sabe, naquela conspiração contra o ditador, não apenas Brutus mas todos os outros eram homens honrados, "so are they all, all honourable men".
Otto Maria Carpeaux tinha uma teoria engraçada. Ele achava que Brutus e os conspiradores que armaram os idos de março eram os verdadeiros fundadores da antiga UDN, a UDN do brigadeiro Eduardo Gomes, do Carlos Lacerda, do Milton Campos, do Aliomar Baleeiro, do Adauto Cardoso. Eram todos homens honrados, honradíssimos. Mas reacionários como o Diabo gosta.
Criticar Lula no varejo e no atacado seria repetir o reacionarismo da velha UDN, que terminaria sendo o núcleo político do regime militar de 1964. Acredito que a UDN residual, que de alguma forma se instalou no PFL e em parte substancial do PSDB, seja a única a condenar Lula explicitamente, como cabeça, tronco e membros dos recentes problemas nacionais.
O melhor que se pode fazer é abrir generoso crédito para o presidente, que, além de honrado, é boa pessoa e quer e pode acertar. Mas sem esquecer que, até agora, revelou certa inadequação para governar um país como o nosso.
Não sou dado a alucinações suficientes para dar uma de Marco Antônio. E seria o último dos mortais a falar no funeral de César ou de qualquer outro César. E, vamos e venhamos, Lula está longe de ser candidato a tamanha e definitiva conspiração.
Mas os erros de sua equipe, as prioridades que estão sendo tomadas e, sobretudo, o espírito de clã, de eleitos que começam a dominar a vida nacional, merecem uma advertência ainda cordial, mas deixando claro que se trata de homens errados, mas honrados.


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