São Paulo, quarta-feira, 16 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Reflexões sobre o crime organizado

JORGE ZAVERUCHA e ADRIANO OLIVEIRA

ULTIMAMENTE , têm aparecido várias definições sobre crime organizado. Amplas, são pouco esclarecedoras. Propomos uma acepção mais parcimoniosa. Crime organizado é a união de duas ou mais pessoas com o objetivo de praticar atos ilícitos. Não fazemos distinção conceitual entre organizações, grupos e quadrilhas criminosas. Indivíduos criam organizações criminosas para conseguir benefícios que não seriam auferidos individualmente.


Se um Estado é fonte de grupos criminosos, como ele pode combater o crime praticado individualmente ou de modo organizado?


Observamos com preocupação o crescimento da cooptação de agentes estatais, nos três Poderes, por parte de organizações criminosas. O crime organizado está alojado nas entranhas do aparelho do Estado brasileiro com sua irmã gêmea: a corrupção.
Há grande contingente de agentes estatais dispostos a usar o Estado para obter benefícios. O crime organizado recruta pessoas para se tornarem servidores públicos. Em suma, o Estado vai sendo minado internamente.
A PF, em 2002, com a Operação Diamante, desarticulou um grupo criminoso que conquistou adeptos nos Poderes em seus diversos níveis, inclusive no Superior Tribunal de Justiça e na Câmara dos Deputados.
Em 26 de novembro de 2003, um ex-governador de Roraima foi preso pela PF na Operação Praga do Egito, acusado de desvio de recursos públicos. A Operação Águia, também da PF, em 2003, desarticulou um grupo criminoso composto por policiais civis. Eles lidavam com tráfico de drogas e clonagem de veículos nos Estados do Amazonas e São Paulo.
Em 2003 e 2004, a PF realizou 58 operações. Do total de 926 presos, 30,1% eram servidores públicos.
Tais números revelam como o Estado é uma peça importante para as atividades dos grupos criminosos.
Quanto mais apoio uma organização criminosa consegue dentro do aparelho estatal, menos risco, teoricamente, corre de ser desbaratada. E mais poderosa tende a ser tal organização.
As organizações criminosas podem ter três origens: 1) exógena, se têm sua origem fora do ambiente estatal; 2) endógena, se nascem dentro dos Poderes do Estado; 3) endógeno-prisional, se surgem nas prisões -o que ocorre pela incapacidade do Estado de manter o preso sob o devido controle, tendo, no limite, que negociar com eles.
As organizações criminosas presentes nos bairros de baixa densidade socioeconômica e que lidam, prioritariamente, com o tráfico de drogas são exemplos de grupos que nascem à margem do Estado.
A Operação Dominó, realizada recentemente pela PF em Roraima, desbaratou uma organização criminosa de origem endógena. Nesse caso, atores estatais montaram uma organização dentro do próprio Estado para praticar atividades ilícitas internas ou para atender às demandas de organizações de origem exógena.
A venda de sentenças evidenciada pela Operação Anaconda é, também, um exemplo de como policiais e magistrados se articulam para favorecer supostos criminosos via manipulação de inquéritos policiais. Ou, posteriormente, na venda de sentenças.
O PCC é um exemplo de organização criminosa que nasce dentro do sistema prisional. Os seus líderes, mesmo presos, oferecem benefícios para outros detentos ou para os que estão fora da cadeia. Dentro do Estado, são capazes de enfrentar o próprio Estado. Situação "sui generis".
Hoje, não possuem um explícito discurso de tomada do poder. Já há indícios de que desejam "acabar com este regime capitalista", de acordo com documento apreendido pela polícia em um "aparelho" do PCC na Baixada Santista.
A preponderância da criminalidade endogenamente organizada é uma característica brasileira. Na Itália, os grupos criminosos são tipicamente exógenos. Buscam, com eficiência, cooptar atores estatais com o objetivo de maximizar seus benefícios.
No Brasil, organizações criminosas exógenas existem. Contudo, não ameaçam tanto a existência do Estado como as que nascem em seu interior. Pois, se um Estado é fonte de grupos criminosos, como ele pode combater o crime praticado individualmente ou de modo organizado?
O Estado vai perdendo tanto sua função quanto sua legitimidade. A criminalidade organizada ainda não atingiu todo o Estado. Entretanto, se o processo de captura de agentes estatais não for estancado, o poder legal estatal poderá se tornar meramente nominal. Há a percepção de que a solidariedade intergrupal está se consumindo. A sociedade não mais vê o Estado como capaz de trabalhar em prol do bem comum. Se ele é um estorvo, para que o Estado?
JORGE ZAVERUCHA , 51, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). ADRIANO OLIVEIRA , 31, doutor em ciência política pela UFPE, é vice-coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas.


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