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BORIS FAUSTO
Mistérios do Plano Diretor
A aprovação do Plano Diretor
da cidade de São Paulo está cercada de insondáveis mistérios, para dizer o menos. Convém lembrar alguns
aspectos técnico-jurídicos da questão,
no sentido de dar maior lastro ao que
afirmo.
O Plano Diretor -exigência constitucional- deve ser uma lei programática que contenha as grandes diretrizes do planejamento urbano,
abrangendo transportes, habitação,
áreas de lazer etc. Ele não se confunde
com uma lei de zoneamento, que cuida de estabelecer características e restrições de áreas urbanas.
O projeto original do plano, encaminhado pela Prefeitura à Câmara de
Vereadores, obedecia aos critérios acima expostos, tanto mais que prevê a
revisão da lei de zoneamento em vigor, mediante proposta do Poder Executivo, a ser encaminhada até 30 de
abril de 2003.
Entretanto, na fase final de aprovação do projeto, como se sabe, foi aprovado um substitutivo que contém algumas "emendas noturnas" -pela
hora e por sua estranha especificidade-, transformando áreas de caráter
estritamente residencial em áreas mistas e algumas ruas em corredores de
uso especial. Como tais alterações favorecem poderosos interesses privados, é justa a suspeita em torno do fato.
Diante da grita da opinião pública
organizada e da mídia, as lideranças
do PT, responsáveis pela aprovação
da matéria, negaram-se a dar o nome
dos autores das emendas, que só foram pingando, sob pressão, ao longo
dos dias.
A maioria da bancada petista -é
justo ressalvar uma parte dela- e a
direção estadual do partido trataram
de justificar o injustificável, considerando o episódio uma questão "residual" e "secundária", em face do benefício que a aprovação do plano traria para a cidade. Houve mesmo
quem apontasse a ingerência abusiva
do Ministério Público quando este, no
âmbito de sua competência constitucional, começou a investigar o caso.
Mesmo tendo em conta o veto parcial da prefeita Marta Suplicy -que é
em si mesmo um fato positivo-, as
marcas do episódio não estão apagadas.
Desde logo, paira uma pergunta: como fica a transparência alardeada pelas administrações petistas, diante de
um episódio turvo, em que tudo sugere um acerto de última hora, incluindo
o compromisso de não revelar nomes
ao conhecimento da população?
A defesa do arranjo é elucidativa, na
medida em que vereadores e dirigentes partidários petistas adotam o
"princípio" de que os fins justificam
os meios. Ou adotam uma variante
mais rasa do "princípio", segundo a
qual, a convicção de que "tudo o que
nós fazemos é certo" e tudo o que os
outros fazem, nas mesmas condições,
é passível de suspeita.
Fica ainda no ar uma última pergunta: o obscuro episódio faria parte da
nova linha "realista" do PT, que nos
traz surpresas todos os dias?
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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