São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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BORIS FAUSTO

Mistérios do Plano Diretor

A aprovação do Plano Diretor da cidade de São Paulo está cercada de insondáveis mistérios, para dizer o menos. Convém lembrar alguns aspectos técnico-jurídicos da questão, no sentido de dar maior lastro ao que afirmo.
O Plano Diretor -exigência constitucional- deve ser uma lei programática que contenha as grandes diretrizes do planejamento urbano, abrangendo transportes, habitação, áreas de lazer etc. Ele não se confunde com uma lei de zoneamento, que cuida de estabelecer características e restrições de áreas urbanas.
O projeto original do plano, encaminhado pela Prefeitura à Câmara de Vereadores, obedecia aos critérios acima expostos, tanto mais que prevê a revisão da lei de zoneamento em vigor, mediante proposta do Poder Executivo, a ser encaminhada até 30 de abril de 2003.
Entretanto, na fase final de aprovação do projeto, como se sabe, foi aprovado um substitutivo que contém algumas "emendas noturnas" -pela hora e por sua estranha especificidade-, transformando áreas de caráter estritamente residencial em áreas mistas e algumas ruas em corredores de uso especial. Como tais alterações favorecem poderosos interesses privados, é justa a suspeita em torno do fato.
Diante da grita da opinião pública organizada e da mídia, as lideranças do PT, responsáveis pela aprovação da matéria, negaram-se a dar o nome dos autores das emendas, que só foram pingando, sob pressão, ao longo dos dias.
A maioria da bancada petista -é justo ressalvar uma parte dela- e a direção estadual do partido trataram de justificar o injustificável, considerando o episódio uma questão "residual" e "secundária", em face do benefício que a aprovação do plano traria para a cidade. Houve mesmo quem apontasse a ingerência abusiva do Ministério Público quando este, no âmbito de sua competência constitucional, começou a investigar o caso.
Mesmo tendo em conta o veto parcial da prefeita Marta Suplicy -que é em si mesmo um fato positivo-, as marcas do episódio não estão apagadas.
Desde logo, paira uma pergunta: como fica a transparência alardeada pelas administrações petistas, diante de um episódio turvo, em que tudo sugere um acerto de última hora, incluindo o compromisso de não revelar nomes ao conhecimento da população?
A defesa do arranjo é elucidativa, na medida em que vereadores e dirigentes partidários petistas adotam o "princípio" de que os fins justificam os meios. Ou adotam uma variante mais rasa do "princípio", segundo a qual, a convicção de que "tudo o que nós fazemos é certo" e tudo o que os outros fazem, nas mesmas condições, é passível de suspeita.
Fica ainda no ar uma última pergunta: o obscuro episódio faria parte da nova linha "realista" do PT, que nos traz surpresas todos os dias?


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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