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ANTONIO DELFIM NETTO
A era FHC
Os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso revelam fatos positivos, mas deixarão uma
herança muito pesada tanto do ponto
de vista econômico como político. A
imagem geral será a de um presidente
inteligente e elegante que, com grande
urbanidade, gozou em sua plenitude o
esplendor do cargo. Esteve sempre
disposto a um tipo especial de diálogo
que, habilmente, escondia um monólogo. Eles eram um fim em si mesmo.
As informações colhidas eram consumidas num tipo de "buraco negro".
Nunca chegavam a levantar a menor
desconfiança sobre a possibilidade de
que a administração econômica poderia ser melhorada, porque tinha problemas e estava construindo outros,
mais graves, para o futuro.
A maior contribuição pessoal do
presidente foi a consolidação do sistema democrático dentro dos marcos
da Constituição de 1988, mas é preciso
lembrar o que, na nossa opinião, será
a pior herança política destes oito
anos: a possibilidade de reeleição para
os cargos majoritários num país onde
não existe um efetivo controle social,
quer da mídia, quer do Ministério Público ou do Judiciário. A reeleição, que
foi conseguida por métodos heterodoxos, está produzindo o que suspeitavam os que a ela se opuseram: a construção de "novas" oligarquias pelo
uso escandalosamente abusivo da
máquina e dos recursos públicos. Basta viajar pelo interior do país para verificar os "milagres" conseguidos pelos prefeitos que se reelegeram. O Poder Legislativo passou a ser uma
"construção" do Executivo. A mídia
local (jornais, rádio e televisão) foi esmagada pelo poder econômico de
agentes relacionados com a administração. Uma das coisas mais importantes a serem feitas no novo Congresso será eliminar o instituto da reeleição, compensando-o, talvez, com um
aumento do mandato para cinco ou
seis anos.
É claro que se fez muita coisa nos últimos oito anos. Talvez a mais significativa seja um subproduto do Plano
Real. Consolidou-se a idéia de que cabe a um Banco Central autônomo a
defesa do bem público mais importante: a manutenção do valor da moeda. Ninguém ousa mais dizer que "um
pouco mais de inflação produz um
pouco mais de crescimento". Graças à
pressão do Fundo Monetário Internacional no empréstimo de 1998, generalizou-se a idéia de que o equilíbrio
fiscal e o controle da dívida pública
são condições necessárias para o controle da inflação. A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma conquista definitiva. Houve progressos em outras áreas
(educação e saúde), mas nada muito
distante da tendência histórica. Houve, também, claras regressões em outras (energia e transporte). A privatização (que rendeu US$ 90 bilhões de
1995 a 1998) era necessária, mas termina com enormes problemas devido à
forma descuidada e apressada com
que foi feita.
É um pouco cedo para avaliar o que
a vaidade presidencial chama de "era
FHC". A soma algébrica de "acertos" e
"erros" e a herança econômica e política que o governo deixa deverão dar-lhe uma nota apenas ligeiramente positiva. O personagem FHC, ao contrário, deixará uma marca muito maior
que seu governo e será lembrado por
sua inteligência e elegância.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
E-mail:
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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