São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

A era FHC

Os oito anos de governo de Fernando Henrique Cardoso revelam fatos positivos, mas deixarão uma herança muito pesada tanto do ponto de vista econômico como político. A imagem geral será a de um presidente inteligente e elegante que, com grande urbanidade, gozou em sua plenitude o esplendor do cargo. Esteve sempre disposto a um tipo especial de diálogo que, habilmente, escondia um monólogo. Eles eram um fim em si mesmo. As informações colhidas eram consumidas num tipo de "buraco negro". Nunca chegavam a levantar a menor desconfiança sobre a possibilidade de que a administração econômica poderia ser melhorada, porque tinha problemas e estava construindo outros, mais graves, para o futuro.
A maior contribuição pessoal do presidente foi a consolidação do sistema democrático dentro dos marcos da Constituição de 1988, mas é preciso lembrar o que, na nossa opinião, será a pior herança política destes oito anos: a possibilidade de reeleição para os cargos majoritários num país onde não existe um efetivo controle social, quer da mídia, quer do Ministério Público ou do Judiciário. A reeleição, que foi conseguida por métodos heterodoxos, está produzindo o que suspeitavam os que a ela se opuseram: a construção de "novas" oligarquias pelo uso escandalosamente abusivo da máquina e dos recursos públicos. Basta viajar pelo interior do país para verificar os "milagres" conseguidos pelos prefeitos que se reelegeram. O Poder Legislativo passou a ser uma "construção" do Executivo. A mídia local (jornais, rádio e televisão) foi esmagada pelo poder econômico de agentes relacionados com a administração. Uma das coisas mais importantes a serem feitas no novo Congresso será eliminar o instituto da reeleição, compensando-o, talvez, com um aumento do mandato para cinco ou seis anos.
É claro que se fez muita coisa nos últimos oito anos. Talvez a mais significativa seja um subproduto do Plano Real. Consolidou-se a idéia de que cabe a um Banco Central autônomo a defesa do bem público mais importante: a manutenção do valor da moeda. Ninguém ousa mais dizer que "um pouco mais de inflação produz um pouco mais de crescimento". Graças à pressão do Fundo Monetário Internacional no empréstimo de 1998, generalizou-se a idéia de que o equilíbrio fiscal e o controle da dívida pública são condições necessárias para o controle da inflação. A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma conquista definitiva. Houve progressos em outras áreas (educação e saúde), mas nada muito distante da tendência histórica. Houve, também, claras regressões em outras (energia e transporte). A privatização (que rendeu US$ 90 bilhões de 1995 a 1998) era necessária, mas termina com enormes problemas devido à forma descuidada e apressada com que foi feita.
É um pouco cedo para avaliar o que a vaidade presidencial chama de "era FHC". A soma algébrica de "acertos" e "erros" e a herança econômica e política que o governo deixa deverão dar-lhe uma nota apenas ligeiramente positiva. O personagem FHC, ao contrário, deixará uma marca muito maior que seu governo e será lembrado por sua inteligência e elegância.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

E-mail:
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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