São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Especulação, déficits ou conspiração?

ROBERTO LUIS TROSTER

O dólar batendo recordes sucessivos de cotação preocupa a todos. Enquanto uma alta moderada tem alguns efeitos positivos, pois incentiva exportações e desestimula importações, melhorando as nossas contas externas, uma alta exagerada tem efeitos perversos sobre juros, produtividade, inflação e investimentos, algo que não interessa a ninguém.
A causa mais importante dessa elevação, mas não a única, vem de fora, e é uma percepção externa distorcida do Brasil. Uma combinação de fatores -dos quais destacamos a desaceleração da economia mundial, a maior aversão ao risco causada por escândalos contábeis nos EUA, a volatilidade típica de períodos eleitorais e uma comparação incorreta do Brasil com a Argentina- criou um pessimismo exagerado em relação à nossa capacidade de honrar compromissos e levou alguns analistas externos, de maneira errônea, a levantar a hipótese de um possível "default" da nossa dívida externa.
O aumento da desconfiança, lá fora, fez com que a nossa dívida externa, especialmente os C-Bonds, fosse negociada a taxas estratosféricas, atualmente superiores aos 20% ao ano. É um retorno elevadíssimo para qualquer padrão histórico, que afetou, e segue afetando, todo o conjunto da dívida externa brasileira, privada e pública. Os bancos internacionais, em razão dessa percepção de risco Brasil exagerada, reduziram a oferta de crédito, não renovando empréstimos, ou os renovando a taxas altíssimas, e restringiram a oferta de linhas comerciais de curto prazo, essenciais para as nossas exportações.
Em resposta a esse encolhimento do crédito, muitas empresas não rolaram seus empréstimos, lá fora, e outras compraram ativos dolarizados para proteção da alta do dólar, e dessa forma avolumaram a demanda por dólares. Como o estoque da dívida é proporcionalmente grande em relação ao volume de dólares negociados no dia-a-dia, a cotação do dólar foi muito pressionada. Para enfrentar o problema, o Banco Central ofereceu ao mercado títulos cambiais para proteção e fez um acordo com o FMI para garantir recursos adicionais.
Mesmo assim, a dinâmica dos mercados produziu um quadro perverso em que o dólar à vista extrapola a taxa de equilíbrio. Ao rolar os títulos cambiais, os investidores demandam uma taxa de juros em dólares consistente com a que recebem comprando títulos da dívida externa brasileira, lá fora, arbitrando as taxas. O Banco Central do Brasil se recusa a pagar uma taxa demasiado alta, derivada de uma percepção externa errônea do risco brasileiro, e não rola todos os títulos cambiais, acentuando a intensa demanda por ativos dolarizados, pressionando ainda mais a cotação da divisa norte-americana.


Estamos enfrentando um equilíbrio econômico perverso por uma combinação inusitada de fatores conjunturais


O ponto importante é que a causa primária de todo o processo de alta, que é a percepção externa, está equivocada, pois os fundamentos brasileiros são bons. O Brasil tem um ajuste externo que surpreende positivamente a todos; para 2002 devemos ter um superávit comercial da ordem de US$ 10 bilhões -literalmente o dobro da projeção do início do ano-, temos reservas externas suficientes para os compromissos externos de curto prazo, um acordo com o FMI que garante fundos para médio prazo e um compromisso firme dos presidenciáveis com cumprimento de contratos e com princípios sólidos de políticas fiscal, cambial e monetária.
Os mercados futuros apontam para um dólar declinante e as projeções da Febraban mostram um dólar muito abaixo do atual patamar. Todavia a pressão no mercado cambial, por conta do tamanho dos vencimentos este mês, levou a cotação externa a um novo patamar. Para enfrentar a alta, o BC elevou os compulsórios em R$ 14 bilhões, de forma a tirar liquidez do mercado, fazendo com que o real ficasse mais escasso, e subiu a taxa Selic de 18% para 21% ao ano, com o objetivo de pressionar para baixo a divisa norte-americana.
Na frente externa, o Banco Central e a Febraban fizeram apresentações a analistas internacionais mostrando que as nossas perspectivas econômicas são boas e consistentes.
Estamos vivendo um momento muito peculiar e difícil, enfrentando um equilíbrio econômico perverso por uma combinação inusitada de fatores conjunturais, mas passageira. Os mercados têm um comportamento atípico dada a anormalidade do momento. O Brasil já conseguiu equacionar seu déficit externo, seu déficit fiscal e seu déficit de democracia. Falta apenas superar o déficit mais importante, o déficit de confiança, o que é uma missão de todos nós.


Roberto Luis Troster, 51, doutor em economia pela USP, é economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira das Associações de Bancos).


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Olavo de Carvalho: Poses e trejeitos

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.