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TENDÊNCIAS/DEBATES
Poses e trejeitos
OLAVO DE CARVALHO
Interrogado pelo jornalista Boris
Casoy sobre a denúncia da mídia internacional quanto às relações do seu
partido com as Farc, com Hugo Chávez
e com Fidel Castro, o sr. Luiz Inácio saiu
do aperto alegando que: a denúncia não
viera da mídia internacional, mas apenas de "um picareta de Miami"; as tais
relações não existiam de maneira nenhuma; e Boris nem deveria falar dessas
coisas diante das câmeras.
Com relação à primeira parte, observo
que o sr. Inácio tem sido bem pródigo
no uso do epíteto "picareta", chegando
a rotular com ele 300 congressistas, no
que, aliás, dei-lhe plena razão, na época,
com a ressalva de que o número deveria
ser aumentado para 301.
No entanto o único cidadão de Miami
que andou falando do PT foi o escritor
cubano Armando Valladares. Preso político por 22 anos, recordista mundial de
permanência entre as grades por delito
de opinião, autor de um dos mais fortes
e pungentes livros de memórias já engendrados pelo sofrimento injusto, Valladares tem um lugar assegurado na
história do século 20 entre os personagens que provaram, por sua coragem e
retidão inflexível nas piores circunstâncias, a soberania do espírito livre ante as
trevas do diabolismo totalitário.
É alguém da estirpe de um Victor
Frankl, de um Soljenítsin, de um Richard Wurmbrand; alguém cuja qualidade moral está acima de todas as controvérsias políticas e do qual ninguém
tem o direito de falar senão com o devido respeito. Ao se referir a ele num tom
de superioridade afetada, o sr. Inácio
provou a vulgar mesquinharia do seu
próprio espírito, o espírito de um caipira arrogante e presunçoso, a arrotar superioridade ante uma figura humana
que transcende infinitamente o seu horizonte de compreensão.
Também, não se poderia esperar outra conduta do homem que em três décadas de ascensão social ininterrupta se
esmerou mais em fazer as unhas e em
posar com ternos Armani do que em
aprender algum idioma, mesmo que
fosse o seu próprio. Que esse indivíduo
de envergadura microscópica tenha se
tornado o ídolo de todo um povo, só
mostra o quanto esse povo perdeu todo
o senso de medida das virtudes humanas, já não sendo capaz de apreender sinais de grandeza e mérito, senão na forma dos mais postiços simulacros, midiáticos ou eleitorais.
Quanto à denúncia, muito antes de alguém tocar no assunto em Miami ela já
havia saído no "Weekly Standard", um
dos melhores semanários políticos dos
EUA, ecoando logo na revista "Newsmax", no "Washington Times" e no
Congresso americano, onde 12 deputados solicitaram ao presidente Bush uma
investigação em regra sobre Lula e o PT.
No Brasil, eu mesmo publiquei vários
artigos a respeito, e é quase impossível
que, na assessoria do candidato, ninguém os tenha lido. Os trejeitos de desprezo fingido com que o sr. Luiz Inácio
tentou minimizar a importância jornalística do caso são puro teatro, bem ao
estilo do cidadão que triunfa num pleito
eleitoral que ele próprio disse considerar "apenas uma farsa". Pois, por definição, quem é bom em farsas... É farsante.
Com relação ao segundo ponto, é próprio do homem pouco inteligente fazer
pouco da inteligência alheia. Ninguém
que organize e lidere dez reuniões internacionais, trabalhosas e dispendiosíssimas, professando ali discutir a unificação da estratégia esquerdista continental com dezenas de organizações comunistas -algumas delas terroristas e narcotraficantes-, tem o direito de esperar que acreditemos que não tem nada a
ver com isso, que as resoluções que ele
próprio assinou ao fim de tantos debates não o obrigam em nada e que, enfim,
está livre e desimpedido.
Enquanto mero candidato, o sr. Luiz Inácio já se arroga o direito de ditar o que seu entrevistador deve ou não deve dizer
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Ninguém, após assinar um documento de solidariedade às Farc, chegando a
qualificar de intolerável "terrorismo de
Estado" a resistência que lhes opõe o
governo colombiano, pode esperar que
acreditemos que não tem com elas, no
mínimo, uma louca relação de amor.
Ninguém, após defender obstinadamente a guerrilha colombiana de qualquer suspeita de envolvimento com o
narcotráfico, apostando sua reputação
pessoal contra o peso das provas materiais e documentais apreendidas com o
traficante Fernandinho Beira-Mar, pode querer razoavelmente que acreditemos que não está, com isso, cumprindo
o voto de solidariedade que assinou.
Síntese de desculpa esfarrapada e história da carochinha, a resposta de Lula a
Boris Casoy, neste ponto, não deveria
ter o poder de enganar ninguém. No entanto para enganar um povo inteiro não
é preciso ter nem a astúcia da mentira
verossímil, quando se conta, na mídia,
com os bons serviços de tantos burros
de presépio, dispostos a aceitar e alardear como verdades sacrossantas as
mais tolas desculpas esfarrapadas.
Mais fácil ainda torna-se a consecução
desse feito quando o autor da façanha,
na disputa eleitoral, tem como concorrentes dois representantes de partidos
co-signatários do mesmo compromisso
de solidariedade com as Farc, que, se o
denunciassem, estariam denunciando a
si próprios, e um terceiro que, por razões pessoais insondáveis, antes mesmo
de começar o embate já promete não dizer nada, seja de verdadeiro, seja de falso, que possa arranhar a boa imagem do
seu adversário maior.
Por fim, o conselho a Boris Casoy. Como não enxergar aí a sombra de uma intimidação velada? Se, enquanto mero
candidato, o sr. Luiz Inácio já se arroga
o direito de ditar o que seu entrevistador deve ou não deve dizer na TV, a que
alturas impensáveis não chegará sua
reivindicação de autoridade quando for
presidente da República?
Se o governo estadual que o próprio
PT aponta como seu modelo de gestão
democrática -o do RS- já mostrou
não tolerar críticas de espécie nenhuma,
mesmo sustentadas em provas e documentos, chegando já a 30 o número de
jornalistas que ali respondem a processos e sofrem pressões de toda ordem pelo que escreveram, por que acreditar
que esse modelo, ampliado à escala federal, será mais leve e fácil de suportar?
Olavo de Carvalho, 55, jornalista e ensaísta, é
autor de "O Jardim das Aflições" (É Realizações,
2001), entre outros livros.
Site: www.olavodecarvalho.org
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