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FALTA DE DECORO
O 14 de dezembro foi um dia
sombrio para a Câmara dos
Deputados. Por 250 votos a 162, os
parlamentares daquela Casa rejeitaram a cassação do mandato de Romeu Queiroz (PTB-MG), sacador
confesso de R$ 452 mil em recursos
provenientes do chamado "mensalão", o esquema de financiamento
ilegal urdido pelo publicitário Marcos Valério de Souza e pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares.
Com esse veredicto, os deputados
estão a afirmar que não há nada de
errado com a utilização do caixa
dois, prática que encobre uma série
de crimes, entre os quais sonegação
fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção. Se o deputado que assumidamente recebe numerário ilegal não
quebra o decoro parlamentar, é difícil imaginar o que possa romper a
dignidade da Casa, que, aos olhos do
público, vai cada vez mais se assemelhando a um antro de espertalhões.
Pior, a absolvição de Queiroz é
também a senha para que processos
abertos contra outros deputados envolvidos com o "mensalão" tenham
o mesmo desfecho. Embora decisões sobre cassação se dêem por voto secreto, tudo indica que representantes de PT, PL, PP e PTB -partidos
mais visceralmente envolvidos com
os esquemas ilícitos-, além de setores do PMDB e do PFL, houveram
por bem firmar um acordo, tácito ou
apenas inconfessável, pelo qual essas legendas conseguirão salvar ao
menos alguns de seus membros.
Há informações de que outros parlamentares passíveis de cassação já
celebram antecipadamente. E alguns
dos que renunciaram para escapar à
punição estariam arrependidos.
A defesa de Queiroz é patética. Ele,
bem como outros "mensaleiros",
alega que o dinheiro recebido não
lhe propiciou benefícios privados,
tendo sido utilizado pelo partido. É
claro que ninguém jamais admitiria
que comprou uma TV de plasma ou
algo parecido com os recursos valerianos. Mas essa não é nem nunca foi
a questão. Não importa em quanto o
deputado pôs as mãos nem o que fez
com a soma, mas sim o fato de ter
participado de prática vedada por lei
-o que, numa República minimamente séria, bastaria para escorraçá-lo do cargo e mandá-lo responder a
processo por crime comum.
No Brasil, entretanto, o que prevalece é a "pizza", uma metáfora popular para a perpetuação das iniqüidades dos poderosos combinada com a
deterioração da imagem da política e
da própria democracia.
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