São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 2005

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FALTA DE DECORO

O 14 de dezembro foi um dia sombrio para a Câmara dos Deputados. Por 250 votos a 162, os parlamentares daquela Casa rejeitaram a cassação do mandato de Romeu Queiroz (PTB-MG), sacador confesso de R$ 452 mil em recursos provenientes do chamado "mensalão", o esquema de financiamento ilegal urdido pelo publicitário Marcos Valério de Souza e pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares.
Com esse veredicto, os deputados estão a afirmar que não há nada de errado com a utilização do caixa dois, prática que encobre uma série de crimes, entre os quais sonegação fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção. Se o deputado que assumidamente recebe numerário ilegal não quebra o decoro parlamentar, é difícil imaginar o que possa romper a dignidade da Casa, que, aos olhos do público, vai cada vez mais se assemelhando a um antro de espertalhões.
Pior, a absolvição de Queiroz é também a senha para que processos abertos contra outros deputados envolvidos com o "mensalão" tenham o mesmo desfecho. Embora decisões sobre cassação se dêem por voto secreto, tudo indica que representantes de PT, PL, PP e PTB -partidos mais visceralmente envolvidos com os esquemas ilícitos-, além de setores do PMDB e do PFL, houveram por bem firmar um acordo, tácito ou apenas inconfessável, pelo qual essas legendas conseguirão salvar ao menos alguns de seus membros.
Há informações de que outros parlamentares passíveis de cassação já celebram antecipadamente. E alguns dos que renunciaram para escapar à punição estariam arrependidos.
A defesa de Queiroz é patética. Ele, bem como outros "mensaleiros", alega que o dinheiro recebido não lhe propiciou benefícios privados, tendo sido utilizado pelo partido. É claro que ninguém jamais admitiria que comprou uma TV de plasma ou algo parecido com os recursos valerianos. Mas essa não é nem nunca foi a questão. Não importa em quanto o deputado pôs as mãos nem o que fez com a soma, mas sim o fato de ter participado de prática vedada por lei -o que, numa República minimamente séria, bastaria para escorraçá-lo do cargo e mandá-lo responder a processo por crime comum.
No Brasil, entretanto, o que prevalece é a "pizza", uma metáfora popular para a perpetuação das iniqüidades dos poderosos combinada com a deterioração da imagem da política e da própria democracia.


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