São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2008

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MARCOS NOBRE

Indústria cultural

O TEÓRICO SOCIAL Theodor W. Adorno (1903-1969) voltou à cena nos combates culturais das últimas semanas.
Principalmente por ter criado o termo "indústria cultural" para circunscrever o lugar da arte e da cultura no capitalismo altamente desenvolvido do século 20.
As referências a Adorno no debate cultural não costumam ser lisonjeiras. Ele é caracterizado como elitista, hermético e superado. Um mal-humorado incorrigível que não gostava de jazz.
Ridicularizar uma figura como Adorno é mais fácil do que discutir a sério as relações entre capitalismo e cultura. Mais fácil do que explicar por que um conceito criado há mais de 60 anos continua a ser o ponto de partida do debate até hoje.
A idéia é simples como toda boa idéia. Com o desenvolvimento do capitalismo, também a arte passa a ser cada vez mais regida por princípios de mercado. Em um sentido bem preciso: o formato mercadoria passa a determinar a própria forma de produção da arte.
A idéia fundamental é a de que há padrões, "standards" de produção da arte que têm de ser respeitados se quem produz arte quiser ter sucesso. E isso quer dizer: se quiser vender seu produto no mercado.
O resultado é conformista. A arte se torna um tipo de tranqüilizante contra as dores do cotidiano.
Para combater esse resultado, Adorno dava como exemplo a arte que não é produzida segundo esses padrões impostos previamente pelo mercado. E mostrou que havia uma recepção dessa arte que reproduzia a mesma atitude crítica do momento da criação da obra.
Mas isso não basta. Quem não quer abrir mão de uma posição crítica como a defendida por Adorno se obriga a investigar com cuidado o funcionamento concreto do mercado cultural. Para conseguir captar o sentido de suas transformações.
Foi só nos últimos meses de sua vida que Adorno percebeu que mudanças importantes estavam acontecendo em relação ao diagnóstico que tinha feito na década de 1940.
Mas não chegou a analisar em profundidade indicações de que uma atitude crítica na recepção dos produtos da indústria cultural estava surgindo.
Também não chegou a ter clareza de que a expansão e a diversificação do mercado abriam brechas significativas de resistência e de contestação. Muito menos chegou a ver que novas formas de produção artística questionavam o mercado de dentro, politizando a vida cotidiana com uma amplitude inédita.
Apontar a insuficiência das análises de Adorno para o momento presente é certamente essencial. Mas não se confunde com o conformismo de jogar fora Adorno com a água da crítica.


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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