São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

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JOSÉ SARNEY

Eva era uma sereia

Já se ouve o gargarejo das cuícas e a Globeleza desapareceu da tela. O que aconteceu? Dizem-me que foi o tempo. Ficaram só as fitas, as fitinhas e a saudade de seu samba no pé.
O Carnaval vai chegando. Os seus sons se aproximam. Os primeiros vêm da Bahia e Olinda, passando pelo Maranhão, na saída do Bloco da Bandida e do Barrica, com uma marcha de arrasar quarteirão: "O Touro Rei!"
Mas, lá fora, o Haiti continua agonizante, o "Sharonzinho" vai para o xilindró porque foi na onda do Valério e abriu um caixa dois para papai. Nosso astronauta brasileiro já está voando em gravidade zero sem foguete e satélite, num tanque de treinamento, enquanto vozes da oposição apelam para que sua esposa não permita que ele vá para o espaço, porque acham que quem deve ir para o espaço é o presidente Lula. Mas este -não "tô nem aí...- já subiu no foguete da pesquisa, dando adeus aos concorrentes.
Mas a notícia mesmo que me encheu as medidas vem das descobertas feitas no atol caribenho, banco de Saba, onde está o Paraíso tão procurado por todos os cantos da Terra. Não é em terra firme, mas debaixo d'água, escondido na beleza e no fascínio de um jardim de algas e esponjas tão rico de cores e formas que lá devia estar plantada a Gisele Bündchen.
No tempo das grandes navegações, todo viajante que descobria novas terras dizia ter descoberto o Paraíso. Só no Brasil, ele foi visto por Barleus, em Pernambuco, por Orellana e Acuña ("com que enriquecer a todo o orbe..."), no Amazonas, com as mulheres guerreiras, pelos padres Claude d'Abeville ("aqui é o Jardim do Éden..."), no Maranhão; por Jean de Léry, no Rio de Janeiro (criando o mito do bom-selvagem: "...são mais fortes, mais robustos e saciados, mais dispostos, menos sujeitos a doenças..."); pelo adelantado Alvar Nuñez Cabeza de Vaca, nas nascentes do Prata e em Santa Catarina, de ingleses, irlandeses, franceses, espanhóis no Eldorado e sua capital Manoa, no lago de ouro de Parime, e, fora daqui, Colombo, nas Antilhas, Fernão Mendes Pinto, no Reino do Prestes João, e outros em milhares e milhares de lugares. Tasman, quando chegou ao que é hoje a Nova Zelândia, jurou que ali tinha Deus colocado Adão e Eva.
Pois agora descobrimos que o Paraíso está nas pequenas ilhas holandesas do Caribe, na sua biodiversidade, peixes que parecem vidro, translúcidos e brilhantes.
Com essa descoberta sabe-se que Eva era uma sereia, e Adão, um golfinho. Só falta descobrir a maçã, amadurecendo em terra firme, que tanto preocupava São Paulo, achando que ali residia o pecado. E Barleus a lembrar que "não existe pecado do lado de baixo do Equador". E Caminha, espantado porque os índios "andam nus, sem cobertura alguma; não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto".
Mas eu ia falar do Carnaval e da alegria, esta a grande identidade do povo brasileiro. A alegria que nos veio da África, nas canções trazidas pelos iorubás, gêges e no ritmo mágico da língua nagô. Ela é a nossa marca, e seu chão, o reino de Momo.
Agora, resta saber onde é o Inferno. Certamente não é no Brasil. Muda de lugar todo dia. Já foi em Auschiwtz, hoje é no Oriente Médio, e já passou pelo PT surfando na careca do Marcos Valério.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br


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