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JOSÉ SARNEY
Eva era uma sereia
Já se ouve o gargarejo das cuícas e a
Globeleza desapareceu da tela. O
que aconteceu? Dizem-me que foi o
tempo. Ficaram só as fitas, as fitinhas e
a saudade de seu samba no pé.
O Carnaval vai chegando. Os seus
sons se aproximam. Os primeiros vêm
da Bahia e Olinda, passando pelo Maranhão, na saída do Bloco da Bandida
e do Barrica, com uma marcha de arrasar quarteirão: "O Touro Rei!"
Mas, lá fora, o Haiti continua agonizante, o "Sharonzinho" vai para o xilindró porque foi na onda do Valério e
abriu um caixa dois para papai. Nosso
astronauta brasileiro já está voando
em gravidade zero sem foguete e satélite, num tanque de treinamento, enquanto vozes da oposição apelam para que sua esposa não permita que ele
vá para o espaço, porque acham que
quem deve ir para o espaço é o presidente Lula. Mas este -não "tô nem
aí...- já subiu no foguete da pesquisa,
dando adeus aos concorrentes.
Mas a notícia mesmo que me encheu as medidas vem das descobertas
feitas no atol caribenho, banco de Saba, onde está o Paraíso tão procurado
por todos os cantos da Terra. Não é
em terra firme, mas debaixo d'água,
escondido na beleza e no fascínio de
um jardim de algas e esponjas tão rico
de cores e formas que lá devia estar
plantada a Gisele Bündchen.
No tempo das grandes navegações,
todo viajante que descobria novas terras dizia ter descoberto o Paraíso. Só
no Brasil, ele foi visto por Barleus, em
Pernambuco, por Orellana e Acuña
("com que enriquecer a todo o orbe..."), no Amazonas, com as mulheres guerreiras, pelos padres Claude
d'Abeville ("aqui é o Jardim do
Éden..."), no Maranhão; por Jean de
Léry, no Rio de Janeiro (criando o mito do bom-selvagem: "...são mais fortes, mais robustos e saciados, mais
dispostos, menos sujeitos a doenças..."); pelo adelantado Alvar Nuñez
Cabeza de Vaca, nas nascentes do Prata e em Santa Catarina, de ingleses, irlandeses, franceses, espanhóis no Eldorado e sua capital Manoa, no lago
de ouro de Parime, e, fora daqui, Colombo, nas Antilhas, Fernão Mendes
Pinto, no Reino do Prestes João, e outros em milhares e milhares de lugares. Tasman, quando chegou ao que é
hoje a Nova Zelândia, jurou que ali tinha Deus colocado Adão e Eva.
Pois agora descobrimos que o Paraíso está nas pequenas ilhas holandesas
do Caribe, na sua biodiversidade, peixes que parecem vidro, translúcidos e
brilhantes.
Com essa descoberta sabe-se que
Eva era uma sereia, e Adão, um golfinho. Só falta descobrir a maçã, amadurecendo em terra firme, que tanto
preocupava São Paulo, achando que
ali residia o pecado. E Barleus a lembrar que "não existe pecado do lado
de baixo do Equador". E Caminha, espantado porque os índios "andam
nus, sem cobertura alguma; não fazem o menor caso de encobrir ou de
mostrar suas vergonhas; e nisso têm
tanta inocência como em mostrar o
rosto".
Mas eu ia falar do Carnaval e da alegria, esta a grande identidade do povo
brasileiro. A alegria que nos veio da
África, nas canções trazidas pelos iorubás, gêges e no ritmo mágico da língua nagô. Ela é a nossa marca, e seu
chão, o reino de Momo.
Agora, resta saber onde é o Inferno.
Certamente não é no Brasil. Muda de
lugar todo dia. Já foi em Auschiwtz,
hoje é no Oriente Médio, e já passou
pelo PT surfando na careca do Marcos
Valério.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
@ - jose-sarney@uol.com.br
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