São Paulo, sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

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NELSON MOTTA

Os anos JQ

RIO DE JANEIRO - Todo mundo só fala em JK, todos os políticos querem ser JK, nunca haverá ninguém como JK. Mas... e depois de JK?
Depois foi Jânio Quadros, que era o oposto do otimismo, da simpatia, da tolerância e do desenvolvimentismo de JK. Provinciano, moralista, autoritário e deselegantíssimo, Jânio foi levado ao poder pela vassoura -para limpar o Brasil do mar de lama e de corrupção em que se transformara o governo JK, segundo as campanhas da imprensa e da oposição. Não se falava mais em progresso, em desenvolvimento, em futuro, só se pensava em investigar e punir o passado.
Ao eleger um demagogo como Jânio, os brasileiros aparentemente não estavam satisfeitos com Brasília, a bossa nova, o cinema novo, a Copa do Mundo, a indústria automobilística, o clima de 50 anos em cinco que o Brasil vivera com JK. A opinião pública estava indignada com as denúncias de roubalheira na construção da nova capital -e a urgência era pegar os ladrões, limpar o país da bandalheira oficial.
Inquéritos, demissões, perseguições, funcionalismo em polvorosa, Jânio proibiu biquínis nas praias, maiôs cavados para misses, corridas de cavalos em dia de semana e lança-perfume. O governo JQ veio -nos braços do povo- para colocar ordem na administração, austeridade na economia e moral nos lares brasileiros. Deu no que deu.
É impossível não lembrar disso quando se vê o que está acontecendo agora. Ações, pirações e conspirações de políticos corruptos de quase todos os partidos provocaram uma tal indignação, pelo cinismo, pelas mentiras, pela certeza da impunidade, que hoje a maior preocupação de milhões de eleitores é apenas "limpar a casa". Assim se elegeu Collor, o caçador de marajás. Cuidado com eles: oportunistas, demagogos e malucos adoram surfar nas ondas bravias da indignação moral.


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