São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2007

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Acordo razoável

Brasil e Bolívia fecham acordo sobre o preço do gás natural e abrem perspectivas para novos investimentos

AS NEGOCIAÇÕES entre o governo brasileiro e o boliviano culminaram em um aditivo ao contrato de compra e venda de gás, em vigor até 2019. Sem alterar o valor do combustível, a composição química do produto ensejou um pagamento adicional. O preço do combustível foi mantido em US$ 4,20/milhão de BTUs (British Termal Unit, medida internacional de energia), mas se pactuou um bônus pelo alto teor energético do gás fornecido pelos campos bolivianos.
O gás boliviano adquirido pelo Brasil possui teor médio de 9.400 kcal/m3. Todo o volume que exceder a 8.900 kcal/m3 (o padrão global) será remunerado de acordo com cotações internacionais. Estima-se que o preço final subirá para a faixa de US$ 4,33 a US$ 4,54 (de 3,1% até 8% de aumento). Trata-se de tarifa menor do que a paga pela Argentina (US$ 5), que compra menos gás (7,7 milhões de BTUs/dia, ante 26 milhões do Brasil).
Outra negociação girou em torno do suprimento para a termelétrica de Cuiabá (MT). Nesse contrato, os preços foram reajustados de US$ 1,19, muito abaixo das cotações internacionais, para os mesmos US$ 4,20. O impacto nas tarifas domésticas da eletricidade será diluído nacionalmente.
A alteração no preço e na forma de comercialização exigirá um avanço tecnológico da Petrobras. Abre-se para a estatal a oportunidade de desenvolver projetos a fim de separar as parcelas nobres do gás -e vendê-las a preços mais altos-, o que diminuiria o impacto da majoração para o consumidor brasileiro.
Diante dessa perspectiva, retomaram-se as negociações para viabilizar o Pólo Gás Químico, idealizado pela empresa brasileira Braskem na fronteira entre os dois países. O projeto visa a usar o etano do gás da Bolívia para a produção de polietileno, uma das resinas do plástico.
Foi negociada ainda a instalação de uma usina de biodiesel no território boliviano. O investimento seria realizado pela Petrobras em parceria com um grupo local, privado ou estatal.
Além de afastar o risco de interrupção no fornecimento, os acordos são favoráveis aos dois países. Por um lado, remunera-se um pouco mais o produto boliviano, sem grandes impactos para o consumidor doméstico. Por outro, abrem-se novas oportunidades de investimento.
A consecução desses objetivos, no entanto, ainda depende de uma atitude mais firme do governo Morales na defesa dos investimentos externos realizados em seu território. O Brasil ganha condição renovada de cobrar tal compromisso de La Paz, trunfo que precisa ser exercido em sua plenitude pelo governo Lula.
A nota negativa do acordo foi a declaração do presidente brasileiro de que agia movido por "generosidade" ao aceitar o aumento no preço do gás. Quem faz diplomacia por generosidade sempre concede mais do que o interesse nacional recomendaria.
A análise fria dos números do acordo com a Bolívia não favorece essa interpretação. Mas todo o episódio revela que a retórica diplomática do Brasil ainda precisa ser mais bem ajustada ao interesse nacional -que, numa economia globalizada, cada vez mais se justapõe ao interesse das empresas brasileiras.


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