São Paulo, sábado, 17 de fevereiro de 2007

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LUIZ FERNANDO VIANNA

A flor ardente

RIO DE JANEIRO - Boêmio, mulatólogo e passional, Di Cavalcanti (1897-1976) foi um dos maiores cariocas que já existiram -com o agravante de ter nascido no Rio, condição que não é fundamental para identificar um grande carioca.
Na recém-publicada coleção da "Revista da Música Popular", é possível encontrar, na edição de junho de 1956, uma elegia à "terra carioca" em que o pintor escreve: "Também no luto de tuas chagas/ Corre meu sangue quente/ Choram os meus olhos no teu pranto triste/ Cidade onde eu nasci!/ Beijo também a vida/ Com tua boca de rubra flor ardente".
Quando, hoje de manhã, o Cordão da Bola Preta atacar o "Quem Não Chora Não Mama" e der na Cinelândia o sopro inicial de mais um Carnaval, certamente haverá tarjas pretas de luto pela morte do menino João Hélio, e chorarão seus prantos tristes Marias, Clarices, Rosas e tantas que têm seus filhos e suas esperanças tragados por essa "boca de rubra flor ardente".
O Rio, na verdade, é tão violento quanto várias outras grandes cidades do mundo. Mas poucas são tão sedutoras ou têm a mesma capacidade para encontrar força e alegria nos seus piores momentos.
Gente de várias idades e rendas tem ido às ruas pedir justiça, clamor que chegou à frieza de Brasília e provocou -com toques de oportunismo- debates sobre legislação. Tivesse ocorrido o crime em outra cidade, o efeito seria o mesmo?
Agora, o Carnaval vai cumprir seu papel: pôr tudo no liquidificador e beijar "também a vida". Felizmente, sempre foi assim. Quando o poderoso barão do Rio Branco morreu, a uma semana do Carnaval de 1912, as autoridades adiaram a festa para abril. Não adiantou: nos quatro dias de fevereiro, as ruas foram tomadas por cordões e foliões.
"Também no luto de tuas chagas/ Corre meu sangue quente."


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