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LUIZ FERNANDO VIANNA
A flor ardente
RIO DE JANEIRO - Boêmio, mulatólogo e passional, Di Cavalcanti
(1897-1976) foi um dos maiores cariocas que já existiram -com o
agravante de ter nascido no Rio,
condição que não é fundamental
para identificar um grande carioca.
Na recém-publicada coleção da
"Revista da Música Popular", é possível encontrar, na edição de junho
de 1956, uma elegia à "terra carioca" em que o pintor escreve: "Também no luto de tuas chagas/ Corre
meu sangue quente/ Choram os
meus olhos no teu pranto triste/ Cidade onde eu nasci!/ Beijo também
a vida/ Com tua boca de rubra flor
ardente".
Quando, hoje de manhã, o Cordão da Bola Preta atacar o "Quem
Não Chora Não Mama" e der na Cinelândia o sopro inicial de mais um
Carnaval, certamente haverá tarjas
pretas de luto pela morte do menino João Hélio, e chorarão seus
prantos tristes Marias, Clarices,
Rosas e tantas que têm seus filhos e
suas esperanças tragados por essa
"boca de rubra flor ardente".
O Rio, na verdade, é tão violento
quanto várias outras grandes cidades do mundo. Mas poucas são tão
sedutoras ou têm a mesma capacidade para encontrar força e alegria
nos seus piores momentos.
Gente de várias idades e rendas
tem ido às ruas pedir justiça, clamor que chegou à frieza de Brasília
e provocou -com toques de oportunismo- debates sobre legislação.
Tivesse ocorrido o crime em outra
cidade, o efeito seria o mesmo?
Agora, o Carnaval vai cumprir
seu papel: pôr tudo no liquidificador e beijar "também a vida". Felizmente, sempre foi assim. Quando o
poderoso barão do Rio Branco morreu, a uma semana do Carnaval de
1912, as autoridades adiaram a festa
para abril. Não adiantou: nos quatro dias de fevereiro, as ruas foram
tomadas por cordões e foliões.
"Também no luto de tuas chagas/
Corre meu sangue quente."
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