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FERNANDO RODRIGUES
Cinismo político
BRASÍLIA - A primeira coisa ouvida em Brasília quando se começa a
fazer a cobertura jornalística do poder é o velho axioma derrotista:
"política é a arte do possível".
Em resumo: não me venha com
propostas muito moralizadoras. É
tempo perdido. Perca as suas ilusões. Pense pequeno. Esse é o recado dominante, do PT ao PSDB, do
PFL ao PC do B.
Deputados, senadores, ministros
e presidente da República logo dão
aquele sorrizinho maroto se alguém pergunta sobre certas alterações de fato necessárias para aprimorar as instituições. Por exemplo,
no caso da reforma política, todos
sabem que nunca será feita.
O cinismo é mais forte em início
de governo, como agora. É fascinante nenhuma proposta de reforma política com algum peso dentro
do governo e do Congresso tocar no
ponto central da anomalia maior da
democracia representativa brasileira: a inexistência do sistema de
"um homem-um voto".
Na Câmara, todas as unidades da
Federação têm, no mínimo, oito cadeiras. Dessa forma, Acre, Amapá,
Distrito Federal, Mato Grosso do
Sul, Rondônia, Roraima, Sergipe e
Tocantins ostentam 64 deputados.
Se fosse considerada a população
dessas localidades, deveriam ser
apenas 31. Quem paga essa conta de
deputados sem voto? A fisiologia
miúda, que produz mensalões, sanguessugas e outros bichos.
Há chances reais de essa injustiça
democrática ser banida? Depende.
Os deputados jamais cortarão seus
próprios direitos. Mas o ponto não
é esse. O mais significativo é que
poucos hoje se dão ao trabalho de
colocar o dedo nessa ferida. Renunciamos ao direito de sonhar com
um país mais justo.
Como hoje é Carnaval, fica até
apropriado falar de tal fantasia.
Folgo duas semanas. Volto a tempo de escrever sobre os titubeios de
Lula para nomear ministros.
frodriguesbsb@uol.com.br
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