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TENDÊNCIAS/DEBATES
É preciso aumentar o rigor das punições para menores de 18 anos?
NÃO
Mudar a lei não muda a realidade
KARYNA SPOSATO e PAULA MIRAGLIA
DE NOVO às voltas com um velho debate, o cinismo da classe
política brasileira faz do Brasil
o país dos pacotes. Sem discutir o projeto de sociedade que queremos e,
portanto, quais as reais condições de
vida e sobrevivência oferecidas à juventude brasileira, abre-se o debate
sobre uma mudança legislativa como
solução mágica e suficiente para
transformar práticas institucionais
que há muito não se alteram.
Definitivamente, não será um tratamento mais rigoroso aos menores
de 18 anos (mais do que o já existente
e instituído) que trará aos brasileiros
a paz e a segurança tão almejadas.
A simples mudança de lei se apresenta como solução que parece responder e amparar a comoção e o medo mais que justificados, mas pouco
se traduz em garantias de que um novo crime trágico, como o que aconteceu no Rio, não ocorra novamente.
Se a lei precisa ser aperfeiçoada,
não resta dúvida de que são as instituições que precisam mudar. Algumas sentenças que impõem medidas
socioeducativas levam até dois anos
para serem de fato executadas.
E não é só de morosidade que padece o sistema. O adolescente apreendido em flagrante, seja qual for o delito,
é, contra o que prevê a lei, conduzido
a uma delegacia comum. A regra de liberação do adolescente quando comparece a família, equivalente ao relaxamento da prisão para o adulto, é ficção científica no país -seja o adolescente autor de um furto de cerveja,
seja ele um homicida, seu tratamento,
via de regra, é o mesmo.
O recolhimento compulsório vem
com um tenebroso ritual de iniciação:
cabeças raspadas, chinelas havaianas,
uniforme e violação de direitos antes
de qualquer contato com o defensor
ou o juiz. A medida de internação provisória é a carta coringa de operadores do sistema, não se observam requisitos legais -vale tudo quando a
lógica é dar uma resposta rápida à sociedade e um susto no "delinqüente".
Um adolescente, seja autor de porte de entorpecentes, seja autor de latrocínio, tem muito mais chance de ficar preso do que um adulto ter decretada sua prisão preventiva. De que
falta de rigor estamos falando?
E não termina por aí. Enquanto um
adulto pode responder em liberdade,
o adolescente inimputável permanece preso. Enquanto um adulto pode
ter seu habeas corpus julgado a tempo, o adolescente cumpre a medida
integralmente sem nenhuma manifestação da instância superior. Enquanto o adulto pode apelar em liberdade da sentença condenatória, o
adolescente já está preso e, de antemão, é considerado culpado.
Na Justiça da infância e da juventude, não se reconhece o princípio da
presunção da inocência. Ao adulto,
apesar das conhecidas mazelas do sistema, são reconhecidas garantias
processuais. Por que ao adolescente,
nas mesmas condições, elas são sistematicamente negadas? E por que,
apesar de tudo isso, ainda acreditamos ser um tratamento mais rigoroso
que falta ao adolescente infrator?
Não podemos permitir que a gravidade do quadro de violência que tem
vitimado o país seja tratada de maneira displicente. A sociedade deve exigir
que os governantes apresentem soluções reais e eficazes para reverter a situação. O aprimoramento e a valorização do trabalho policial, a garantia
de que os autores de crimes de toda
natureza sejam punidos, a celeridade
da Justiça e a reforma do sistema prisional são algumas medidas, essas
sim, que podem prevenir e combater
a criminalidade no Brasil.
O problema é complexo e exige
uma equação complexa: simplesmente reduzir a idade penal não reduz o
problema. Ampliar o tempo de internação tampouco amplia automaticamente as possibilidades de reinserção
social. Em algum momento, o jovem
retornará à sociedade e é imprescindível, portanto, que esse tempo -sejam três ou cinco anos- seja um processo efetivo de educação, valorização da vida e criação de perspectivas
de um futuro longe do crime.
Enquanto as vidas de milhares de
crianças e jovens do Oiapoque ao
Chuí valerem nada, pouco pode ser
feito na direção de uma sociedade
mais pacífica, igualitária e segura.
KARYNA SPOSATO, 31, advogada, e PAULA MIRAGLIA,
33, antropóloga, são diretoras-executivas do Ilanud (Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente).
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