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São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2003

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BORIS FAUSTO

Stálin: o mito e as vítimas

A 5 de março , transcorreram 50 anos da morte de Stálin. Sua época foi a dos grandes líderes políticos, entre os quais, entretanto, é preciso distinguir. De um lado, figuras ligadas a nações democráticas, como Churchill, Roosevelt, De Gaulle ou Adenauer. De outro, as que estiveram à frente de regimes totalitários, como é o caso de Hitler, de Stálin, de Mussolini e de Mao.
Se os dias atuais se caracterizam pela mediocridade das lideranças, caracterizam-se também, felizmente, pela quase desaparição da cena mundial de personagens carismáticos à frente de países totalitários.
Stálin é um exemplo radical dessas figuras e uma das mais complexas, pois, se personalizou a violência no mais alto grau, foi também alvo de uma glorificação sem limites. Em sua longa ditadura, realizou a proeza de liquidar quase todos os velhos companheiros de partido, promovendo, ao mesmo tempo, uma repressão colossal da população russa e de etnias minoritárias. Para ficar em um exemplo, a campanha de coletivização do campo (1929-1933), implicando a liquidação do campesinato acompanhada da requisição das colheitas agrícolas, provocou a morte de 5 milhões a 6 milhões de pessoas, número semelhante ao de judeus exterminados por Hitler.
Como explicar que figura tão sinistra se tenha convertido em síntese de todas as virtudes privadas e públicas, sendo objeto de um culto supra-humano por parte de milhões de pessoas em diferentes regiões do mundo?
Algo dessa contradição se explica pela ilusão do comunismo, que Stálin, mesmo de forma perversa, encarnou. Distinguindo-se de Hitler, associado ao projeto expansionista do Grande Reich, ele personificou o mito universalista revolucionário, a aurora dos novos tempos que trariam o fim da exploração capitalista e a igualdade entre os homens, como se prefigurava na União Soviética.
Hoje, com os sonhos do comunismo desfeitos, tendemos a esquecer o impacto da Revolução Russa -um divisor de águas que introduziu esperanças e temores, incentivando a organização de partidos "internacionalistas", de movimentos de trabalhadores e de rebeliões coloniais. Nesse quadro, os partidos comunistas representaram a principal correia de transmissão do mito stalinista, eles próprios gerando um culto da personalidade de segundo grau em torno dos camaradas Thorez, Togliatti, Prestes etc. a partir do modelo soviético.
As façanhas e os sacrifícios da União Soviética na Segunda Guerra Mundial reforçaram a imagem de Stálin como "genial guia dos povos", não obstante o pacto germano-soviético e os expurgos que eliminaram, pouco antes do conflito, comandantes militares experimentados.
Quando Stálin morreu, em 1953, sua morte foi chorada por muita gente, e não só pelos comunistas. Depois, a partir do relatório Kruschev, o encanto se desfez, derrubando convicções defendidas com fé religiosa.
Mas é bom lembrar que, na ex-pátria do socialismo, o partido comunista -em versão retificada- continua a ser o maior do país. Mais ainda. Não se tem notícia de que haja na Rússia um só monumento nacional dedicado às vítimas de Stálin. Se a comparação vale, a Alemanha procedeu bem melhor com as vítimas do nazismo.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna


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