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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O sistema
O sistema é o acerto político que
governa o Brasil.
Acerto de quem? De quase todas as
forças políticas, menos a esquerda, os
nacionalistas e um resíduo -pequeno, mas com futuro- de outros inconformados. Estes ainda não encontraram um instrumento partidário
nem convergiram numa proposta ao
país.
Acerto para o quê? Para manter o
poder. E para o quê manter o poder?
Para a maioria dos quadros do sistema, o objetivo é escapar das humilhações da vida de classe média, conseguindo dinheiro com poder e poder
com dinheiro. Depois, sentir-se importante.
Visto de cima, porém, o objetivo do
sistema é entregar a política aos bandidos para poder entregar a economia
aos americanos. Os bandidos são os
políticos que, corruptos ou não, se resignaram à lógica da sobrevivência individual. Os americanos não são os
Estados Unidos, um país que investe
na China mais do que no Brasil e que
triunfou graças a um projeto nacional
oposto a todos os preceitos da ortodoxia de hoje. São apenas os protagonistas de uma fantasia servil encenada
nas cabeças de nossos governantes.
Fantasia de crescer ganhando confiança e de ganhar confiança fazendo
o que os países ricos dizem em vez de
fazer o que fizeram.
Entre os dois objetivos do sistema há
relação tênue. O que tem a ver um tecnocrata que conta os dias para voltar a
Washington ou Wall Street com um
cacique preocupado com os próximos
lances de uma intriga provinciana?
Como surgiu o sistema? Invenção
recente, resultou de duas causas. A
primeira causa foi a adesão dos políticos do regime militar à transição conduzida pela oposição moderada, uma
união consolidada em torno do fim da
inflação. A segunda causa foi a demora em inventar um sucedâneo ao modelo nacional-desenvolvimentista.
Um sucedâneo que democratizasse o
mercado interno, redistribuindo renda e descentralizando oportunidades,
e subordinasse nossa integração na
economia mundial às conveniências
de nosso desenvolvimento.
Como se reproduz o sistema? Através de quatro circunstâncias. A falta
de partidos: com a exceção do PT, ou
existem para render-se, com lucro, ao
Palácio, ou são vestígios históricos,
controlados, sem lucro, por seus donos. A relação mafiosa entre o dinheiro e a política, que o financiamento
público das campanhas enfraqueceria. A desinformação do eleitorado,
dependente da televisão e do rádio. E a
dificuldade, dado tudo isso, de difundir o ideário de um rumo diferente e
de construir lideranças nacionais.
Qual é a tarefa do sistema agora? Na
economia, reconciliar os imperativos
da confiança financeira e a contabilidade do balanço de pagamentos com
um estímulo modesto ao consumo e
ao investimento. Na política, encontrar-se no segundo turno da eleição
presidencial com o candidato derrotável do PT e cortar o espaço de Ciro Gomes e Itamar Franco, os candidatos temidos.
Quais os maiores amigos do sistema? O medo, a ignorância e as regras
do jogo. E seus maiores inimigos? O
desejo difuso no país de quebrar as
amarras, tanto políticas quanto econômicas, a intuição de outro caminho,
traduzida em símbolos e pessoas, o
nojo e o imprevisto. O sistema sufoca
o Brasil, que, para viver, terá de matá-lo.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
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