São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2001

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O sistema

O sistema é o acerto político que governa o Brasil.
Acerto de quem? De quase todas as forças políticas, menos a esquerda, os nacionalistas e um resíduo -pequeno, mas com futuro- de outros inconformados. Estes ainda não encontraram um instrumento partidário nem convergiram numa proposta ao país.
Acerto para o quê? Para manter o poder. E para o quê manter o poder? Para a maioria dos quadros do sistema, o objetivo é escapar das humilhações da vida de classe média, conseguindo dinheiro com poder e poder com dinheiro. Depois, sentir-se importante.
Visto de cima, porém, o objetivo do sistema é entregar a política aos bandidos para poder entregar a economia aos americanos. Os bandidos são os políticos que, corruptos ou não, se resignaram à lógica da sobrevivência individual. Os americanos não são os Estados Unidos, um país que investe na China mais do que no Brasil e que triunfou graças a um projeto nacional oposto a todos os preceitos da ortodoxia de hoje. São apenas os protagonistas de uma fantasia servil encenada nas cabeças de nossos governantes. Fantasia de crescer ganhando confiança e de ganhar confiança fazendo o que os países ricos dizem em vez de fazer o que fizeram.
Entre os dois objetivos do sistema há relação tênue. O que tem a ver um tecnocrata que conta os dias para voltar a Washington ou Wall Street com um cacique preocupado com os próximos lances de uma intriga provinciana?
Como surgiu o sistema? Invenção recente, resultou de duas causas. A primeira causa foi a adesão dos políticos do regime militar à transição conduzida pela oposição moderada, uma união consolidada em torno do fim da inflação. A segunda causa foi a demora em inventar um sucedâneo ao modelo nacional-desenvolvimentista. Um sucedâneo que democratizasse o mercado interno, redistribuindo renda e descentralizando oportunidades, e subordinasse nossa integração na economia mundial às conveniências de nosso desenvolvimento.
Como se reproduz o sistema? Através de quatro circunstâncias. A falta de partidos: com a exceção do PT, ou existem para render-se, com lucro, ao Palácio, ou são vestígios históricos, controlados, sem lucro, por seus donos. A relação mafiosa entre o dinheiro e a política, que o financiamento público das campanhas enfraqueceria. A desinformação do eleitorado, dependente da televisão e do rádio. E a dificuldade, dado tudo isso, de difundir o ideário de um rumo diferente e de construir lideranças nacionais.
Qual é a tarefa do sistema agora? Na economia, reconciliar os imperativos da confiança financeira e a contabilidade do balanço de pagamentos com um estímulo modesto ao consumo e ao investimento. Na política, encontrar-se no segundo turno da eleição presidencial com o candidato derrotável do PT e cortar o espaço de Ciro Gomes e Itamar Franco, os candidatos temidos.
Quais os maiores amigos do sistema? O medo, a ignorância e as regras do jogo. E seus maiores inimigos? O desejo difuso no país de quebrar as amarras, tanto políticas quanto econômicas, a intuição de outro caminho, traduzida em símbolos e pessoas, o nojo e o imprevisto. O sistema sufoca o Brasil, que, para viver, terá de matá-lo.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.


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