São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2001

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CARLOS HEITOR CONY

Das relações com o poder

RIO DE JANEIRO - Não faz muito, citei Antônio Vieira em seu "Sermão da Sexagésima", um texto que por si só justificaria a classificação que o poeta Fernando Pessoa deu ao famoso jesuíta: o Imperador da Língua Portuguesa.
Vieira dizia que há duas espécies de pregador. Aqueles que fazem os ouvintes saírem satisfeitos com o orador e aqueles que fazem os ouvintes saírem insatisfeitos consigo próprios.
Com os jornalistas, grosso modo, pode acontecer o mesmo. Os que fazem os leitores ficarem satisfeitos com o texto e os que fazem os leitores ficarem insatisfeitos consigo próprios. Ou, pelo menos, fazem o leitor desconfiar de si mesmo.
A pluralidade de opiniões, sobretudo em assuntos estranhos à fé e ao dogma (que cada um se sirva deles como quiser), é o fundamento e a meta da sociedade livre.
Quando estive em Israel pela primeira vez, estranhei que meus amigos mais cultos, judeus religiosos ou não, nunca tivessem lido o Novo Testamento. Como estranho que até hoje haja cristãos que ficam horrorizados quando ouvem dizer que Jesus Cristo, a Virgem, São José e os apóstolos foram, à sua maneira, judeus de carteirinha.
Transpondo o problema religioso para o cenário profano e político: o adversário não deveria ter direito à existência. E quem é o adversário? É aquele que pensa, por exemplo, que Maluf não merece existir ou que FHC é o inimigo principal da nação.
No que me tange e concerne (perdão pela frase do finado Jânio Quadros), não gosto do atual governo nem o aprovo, mas não me lembro de ter gostado ou aprovado qualquer governante. Do síndico do meu prédio ao presidente da República, todos me parecem deficientes ou maus.
Mas admito cordialmente que a mulher do síndico, seus filhos, genros e noras gostem dele e o admirem. Tem mais: deixando de ser síndico, topo até ser amigo dele e admirá-lo como cidadão e vizinho.


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