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CARLOS HEITOR CONY
Das relações com o poder
RIO DE JANEIRO - Não faz muito, citei Antônio Vieira em seu "Sermão da Sexagésima", um texto que por si
só justificaria a classificação que o
poeta Fernando Pessoa deu ao famoso jesuíta: o Imperador da Língua
Portuguesa.
Vieira dizia que há duas espécies de
pregador. Aqueles que fazem os ouvintes saírem satisfeitos com o orador
e aqueles que fazem os ouvintes saírem insatisfeitos consigo próprios.
Com os jornalistas, grosso modo,
pode acontecer o mesmo. Os que fazem os leitores ficarem satisfeitos
com o texto e os que fazem os leitores
ficarem insatisfeitos consigo próprios.
Ou, pelo menos, fazem o leitor desconfiar de si mesmo.
A pluralidade de opiniões, sobretudo em assuntos estranhos à fé e ao
dogma (que cada um se sirva deles
como quiser), é o fundamento e a meta da sociedade livre.
Quando estive em Israel pela primeira vez, estranhei que meus amigos mais cultos, judeus religiosos ou
não, nunca tivessem lido o Novo Testamento. Como estranho que até hoje
haja cristãos que ficam horrorizados
quando ouvem dizer que Jesus Cristo,
a Virgem, São José e os apóstolos foram, à sua maneira, judeus de carteirinha.
Transpondo o problema religioso
para o cenário profano e político: o
adversário não deveria ter direito à
existência. E quem é o adversário? É
aquele que pensa, por exemplo, que
Maluf não merece existir ou que FHC
é o inimigo principal da nação.
No que me tange e concerne (perdão pela frase do finado Jânio Quadros), não gosto do atual governo
nem o aprovo, mas não me lembro de
ter gostado ou aprovado qualquer
governante. Do síndico do meu prédio ao presidente da República, todos
me parecem deficientes ou maus.
Mas admito cordialmente que a
mulher do síndico, seus filhos, genros
e noras gostem dele e o admirem.
Tem mais: deixando de ser síndico,
topo até ser amigo dele e admirá-lo
como cidadão e vizinho.
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