São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A vitória da Páscoa

A vitória da Páscoa é a passagem da morte à vida. Toda pessoa humana, em sua maturidade espiritual, questiona a si própria a respeito do sentido da existência e sobre a continuidade da vida para além da morte. As filosofias e os ensinamentos religiosos aplicam-se a responder a essas perguntas.
À luz da doutrina cristã, Jesus, Filho de Deus, entra em nossa história e assume a condição terrena, assemelha-se em tudo a nós, exceto no pecado, e passa pela experiência da morte violenta. Proclama com clareza e coragem que realiza o desígnio da misericórdia divina. Oferece-se para a remissão de nossos pecados e para a conversão para a vida nova, marcada pelo amor de Deus e ao próximo. É surpreendente que Jesus, como prova de seu amor, se tenha submetido aos sofrimentos e à violência da crucifixão e tenha querido, pela sua ressurreição, alegrar-nos e revelar-nos a vitória definitiva sobre a morte.
Desde o início, os discípulos de Jesus Cristo reconheceram na ressurreição gloriosa o pleno cumprimento do desígnio divino da salvação, demonstrando que a morte encerra apenas nossa fase terrena, mas abre a reintegração, a continuidade e o aperfeiçoamento da vida pessoal. Jesus anuncia ao mundo a promessa de felicidade eterna e nos alerta sobre a fraqueza da liberdade humana, sobre a necessidade de conversão, sobre o arrependimento das faltas e sobre a reconciliação com Deus e com o próximo.
Assim, a ressurreição de Jesus já nos comunica a esperança da vida eterna e feliz e ensina que neste mundo é preciso superar as marcas do pecado e promover uma sociedade pacífica e fraterna. A vida nova, conquistada pela morte e ressurreição de Jesus, deve já agora manifestar os valores do Reino de Deus: a justiça, a caridade, a reconciliação e a paz.
A ressurreição de Cristo afirma, portanto, de modo solene e inequívoco, a dignidade da pessoa humana, destinada a participar da sua vitória sobre a morte e a entrar em comunhão plena com Deus e com os irmãos.
Celebrar a Páscoa, para as comunidades cristãs, é renovar o compromisso com a dignidade da pessoa. Dois aspectos são mais urgentes.
É preciso compreender que não nos é lícito comemorar de modo coerente a Páscoa sem assumir o respeito à vida na luta contra a fome, contra a miséria e contra a exclusão de milhões de pessoas. Isso atinge o comportamento pessoal e familiar e as políticas públicas e internacionais.
Outro aspecto é a ação firme e educativa da sociedade contra a violência crescente. Multiplicam-se, no Brasil, assaltos e assassinatos covardes. Parece que a vida perdeu seu valor. Aumentam assustadoramente a brutalidade das execuções entre traficantes e o conflito entre grupos armados. É necessário, no entanto, incluir na ação contra a violência a defesa e a promoção da vida da criança no seio materno. A grave omissão a esse respeito cria na sociedade uma esquizofrenia, uma dualidade contraditória de atitudes que destrói a força de qualquer ação educativa em prol dos direitos humanos.
Como queixar-se da violência e esforçar-se por eliminá-la se, por outro lado, fechamos o discernimento quanto à evidência da dignidade da pessoa humana indefesa e inocente no seio materno?
A vitória de Cristo e a paz da Páscoa exigem o pleno respeito à vida.
Que a Mãe de Deus e nossa nos irmane e faça de nós verdadeiros discípulos de Jesus Cristo, vencedor do pecado e da morte.


Dom Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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