São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS / DEBATES

É viável um aumento do salário mínimo acima da inflação?

NÃO

Dois conceitos e dois caminhos

HÉLIO ZYLBERSTAJN

Não é muito confortável assumir posição contrária ao aumento real do salário mínimo. Na verdade, somos todos favoráveis, porque o salário mínimo está muito defasado. Mas, com o objetivo de contribuir para o debate, vou me colocar como advogado do diabo para perguntar: o que aconteceria se aumentássemos o salário mínimo acima da inflação? Para responder, precisamos saber quantos brasileiros ganham até um salário mínimo e quantos seriam afetados pelo aumento. Os números apresentados no quadro de pessoas ocupadas e beneficiários do INSS, nesta página, esclarecem esse ponto.
Vamos começar com os brasileiros que trabalham. De acordo com o IBGE, há no Brasil 78,2 milhões de trabalhadores ocupados. A maioria está na informalidade, fora do alcance da legislação trabalhista. O valor do salário mínimo tem eficácia apenas para os que estão no setor formal, que são somente 36,6% do total. Destes, quantos ganham um salário mínimo? Apenas 3,5 milhões, que representam só 4,5% do mercado de trabalho. É isso mesmo: o salário mínimo é relevante para menos de 5% dos trabalhadores brasileiros. Os demais 95% ou já ganham mais do que o mínimo, ou estão na informalidade e não serão afetados pelo novo valor.
Agora, vamos aos que não trabalham e são beneficiários do INSS. Há 22 milhões de pessoas nessa condição. Dessas, nada menos que 13,8 milhões (62,3%) recebem benefícios no valor de um salário mínimo. É um quadro bem diferente do anterior. Aqui, o impacto do aumento no salário mínimo é relevante, pois afeta diretamente o rendimento de quase dois terços do total. Os números indicam que, para cada R$ 10 de aumento no salário mínimo, o gasto do INSS cresce R$ 1,8 bilhão por ano.
Portanto, do ponto de vista do mercado de trabalho, há espaço para aumentos reais no salário mínimo. As empresas absorveriam o impacto porque já pagam hoje salários maiores para seus empregados. Mas, para o INSS, não há espaço. O aumento teria um impacto enorme. O déficit da Previdência aumentaria e agravaria as dificuldades fiscais, que já não são pequenas. Todos perderíamos com as conseqüências do aumento dos gastos.
Como resolver esse problema?
É preciso uma maneira de elevar o salário mínimo dos trabalhadores ativos sem aumentar muito os gastos do INSS. O governo está propondo um reajuste igual à inflação passada e um aumento apreciável no salário-família. É uma sugestão criativa, porque beneficiaria as famílias com crianças, sem onerar exageradamente o caixa do INSS. Mas confesso que não gosto da idéia de aumentar o valor de mais um "penduricalho" na folha salarial. Prefiro aumentos no próprio salário.
Uma saída nessa direção poderia vir com um conceito estabelecido na Constituição, o piso salarial. No artigo 7º, inciso IV, nossa Carta Magna estabelece que nenhum brasileiro pode ganhar menos que um salário mínimo. Logo em seguida, no inciso V, determina que os trabalhadores têm direito ao "piso salarial", que deve ser "proporcional à extensão e à complexidade do trabalho". A Constituição abriga a idéia de que pode haver diferentes rendimentos mínimos, refletindo diferenças no conteúdo do trabalho executado. O salário mínimo representa o menor dos rendimentos e é único para o país todo. Mas cada categoria pode ter um piso salarial maior que o salário mínimo.
Quem pode fixar pisos salariais? A lei complementar 103/2000 autorizou os Estados a estabelecerem seus pisos estaduais. A negociação coletiva também pode estabelecer pisos para as respectivas categorias. Portanto existem mecanismos legais e espaços legítimos para solucionar o problema.
Há duas opções. Uma, cômoda e até certo ponto cínica, é lavar as mãos e deixar o problema para o governo, exigindo que ele faça o que não pode fazer. Outra, mais sincera e construtiva, é participar da solução, aceitando o reajuste do salário mínimo pela inflação do último período e promovendo um entendimento para fixar pisos salariais maiores. Os beneficiários do INSS teriam um aumento modesto, mas seguro, pois suportável para as finanças públicas. Enquanto isso, governadores, legisladores, sindicatos e empresários, junto com o governo federal, poderiam definir em seus respectivos âmbitos os pisos salariais que elevariam o rendimento mínimo dos trabalhadores ativos. Temos dois conceitos e dois caminhos. Por que não escolher o do entendimento?


Hélio Zylberstajn, 58, economista, é professor da FEA-USP e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).


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