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TENDÊNCIAS / DEBATES
É viável um aumento do salário mínimo acima da inflação?
NÃO
Dois conceitos e dois caminhos
HÉLIO ZYLBERSTAJN
Não é muito confortável assumir
posição contrária ao aumento real
do salário mínimo. Na verdade, somos
todos favoráveis, porque o salário mínimo está muito defasado. Mas, com o
objetivo de contribuir para o debate,
vou me colocar como advogado do diabo para perguntar: o que aconteceria se
aumentássemos o salário mínimo acima da inflação? Para responder, precisamos saber quantos brasileiros ganham até um salário mínimo e quantos
seriam afetados pelo aumento. Os números apresentados no quadro de pessoas ocupadas e beneficiários do INSS,
nesta página, esclarecem esse ponto.
Vamos começar com os brasileiros
que trabalham. De acordo com o IBGE,
há no Brasil 78,2 milhões de trabalhadores ocupados. A maioria está na informalidade, fora do alcance da legislação
trabalhista. O valor do salário mínimo
tem eficácia apenas para os que estão no
setor formal, que são somente 36,6% do
total. Destes, quantos ganham um salário mínimo? Apenas 3,5 milhões, que
representam só 4,5% do mercado de
trabalho. É isso mesmo: o salário mínimo é relevante para menos de 5% dos
trabalhadores brasileiros. Os demais
95% ou já ganham mais do que o mínimo, ou estão na informalidade e não serão afetados pelo novo valor.
Agora, vamos aos que não trabalham
e são beneficiários do INSS. Há 22 milhões de pessoas nessa condição. Dessas, nada menos que 13,8 milhões
(62,3%) recebem benefícios no valor de
um salário mínimo. É um quadro bem
diferente do anterior. Aqui, o impacto
do aumento no salário mínimo é relevante, pois afeta diretamente o rendimento de quase dois terços do total. Os
números indicam que, para cada R$ 10
de aumento no salário mínimo, o gasto
do INSS cresce R$ 1,8 bilhão por ano.
Portanto, do ponto de vista do mercado de trabalho, há espaço para aumentos reais no salário mínimo. As empresas absorveriam o impacto porque já
pagam hoje salários maiores para seus
empregados. Mas, para o INSS, não há
espaço. O aumento teria um impacto
enorme. O déficit da Previdência aumentaria e agravaria as dificuldades fiscais, que já não são pequenas. Todos
perderíamos com as conseqüências do
aumento dos gastos.
Como resolver esse problema?
É preciso uma maneira de elevar o salário mínimo dos trabalhadores ativos
sem aumentar muito os gastos do INSS.
O governo está propondo um reajuste
igual à inflação passada e um aumento
apreciável no salário-família. É uma sugestão criativa, porque beneficiaria as
famílias com crianças, sem onerar exageradamente o caixa do INSS. Mas confesso que não gosto da idéia de aumentar o valor de mais um "penduricalho"
na folha salarial. Prefiro aumentos no
próprio salário.
Uma saída nessa direção poderia vir
com um conceito estabelecido na Constituição, o piso salarial. No artigo 7º, inciso IV, nossa Carta Magna estabelece
que nenhum brasileiro pode ganhar
menos que um salário mínimo. Logo
em seguida, no inciso V, determina que
os trabalhadores têm direito ao "piso
salarial", que deve ser "proporcional à
extensão e à complexidade do trabalho". A Constituição abriga a idéia de
que pode haver diferentes rendimentos
mínimos, refletindo diferenças no conteúdo do trabalho executado. O salário
mínimo representa o menor dos rendimentos e é único para o país todo. Mas
cada categoria pode ter um piso salarial
maior que o salário mínimo.
Quem pode fixar pisos salariais? A lei
complementar 103/2000 autorizou os
Estados a estabelecerem seus pisos estaduais. A negociação coletiva também
pode estabelecer pisos para as respectivas categorias. Portanto existem mecanismos legais e espaços legítimos para
solucionar o problema.
Há duas opções. Uma, cômoda e até
certo ponto cínica, é lavar as mãos e deixar o problema para o governo, exigindo que ele faça o que não pode fazer.
Outra, mais sincera e construtiva, é participar da solução, aceitando o reajuste
do salário mínimo pela inflação do último período e promovendo um entendimento para fixar pisos salariais maiores.
Os beneficiários do INSS teriam um aumento modesto, mas seguro, pois suportável para as finanças públicas. Enquanto isso, governadores, legisladores,
sindicatos e empresários, junto com o
governo federal, poderiam definir em
seus respectivos âmbitos os pisos salariais que elevariam o rendimento mínimo dos trabalhadores ativos. Temos
dois conceitos e dois caminhos. Por que
não escolher o do entendimento?
Hélio Zylberstajn, 58, economista, é professor
da FEA-USP e pesquisador da Fipe (Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas).
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