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TENDÊNCIAS / DEBATES
É viável um aumento do salário mínimo acima da inflação?
SIM
É viável e vale a pena
CLAUDIO SALVADORI DEDECCA
Parodiando o mestre Tom Jobim,
o debate sobre o salário mínimo se
assemelha às "águas de março fechando
o verão". Passado o período, o tema entra em regime de hibernação até o início
do ano seguinte. Mantida a prática, a recuperação do salário mínimo tende a
ser mera ilusão. As dificuldades econômicas e políticas impedem que, nos meses em que o tema ganha relevância,
possa se tratar adequadamente de todas
as implicações que um aumento de seu
valor real geraria nas contas públicas e
na esfera privada. São inegáveis as limitações à elevação real de seu valor na ausência de uma política adequada.
Mas é possível estabelecer uma política de valorização do salário mínimo responsável em termos fiscais e, principalmente, ética e socialmente justa. A solução não é simples nem permite uma duplicação do poder de compra do salário
no curto prazo. O atual "modus operandi" da política transforma-se em uma
verdadeira armadilha, pois faz com que
as limitações econômicas e políticas se
apresentem como intransponíveis no
momento de definição do salário mínimo. É impossível tratar cuidadosamente dessa questão neste espaço. A análise
aqui apresentada encontra-se desenvolvida em um ensaio no site www.ie.ufrj.
br/aparte.
Os economistas aprendem nos bancos escolares que aumentos salariais
iguais aos incrementos do produto e da
produtividade não são inflacionários.
Essa premissa garante a participação
dos salários na renda e é aceita pelas diversas vertentes de pensamento econômico. Cabe, portanto, perguntar: por
que não reajustar o salário mínimo segundo a evolução do produto e da produtividade? E, caso haja condição econômica e política, por que esse aumento
básico não pode ser complementado
por um adicional negociado? Afinal, essa orientação de reajuste básico não tem
impacto inflacionário, e o adicional negociado seria uma decisão de governo e
sociedade que levaria em conta o contexto econômico e político.
Enfrentada essa primeira limitação
decorrente de possíveis constrangimentos econômicos, surge a questão dos
efeitos do salário mínimo sobre os gastos da Previdência, que são sempre
apresentados como um problema relevante. Exercício realizado com os dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios PNAD/IBGE mostra que
um aumento real de 11%, correspondente a uma elevação esperada de 3%
do PIB, mais um incremento estimado
de 3% da produtividade e ainda um aumento adicional de 4% representaria
uma variação do gasto com benefícios
da Previdência da ordem de 85% do aumento de arrecadação das contribuições sociais específicas após o reajuste.
Outras limitações se apresentam, mas
são também passíveis de enfrentamento, se adotadas medidas adequadas. São
os casos dos Estados e municípios. Uma
queda da taxa de juros poderia melhorar a capacidade financeira desses entes
públicos, permitindo que eles arcassem
com um aumento real do mínimo.
Outra dificuldade associa-se às pequenas e médias empresas. O impacto
do aumento do salário mínimo poderia
agravar uma situação de intenso sufoco
financeiro por elas vivido, em decorrência dos juros escorchantes. Por que não
propiciar uma compensação fiscal ou
reduzir os juros para que elas possam
absorver o maior gasto do salário mínimo? O enfrentamento dessas restrições
se justifica em face dos amplos benefícios do aumento do salário mínimo.
Uma elevação de seu valor em 11%,
além de aumentar o bem-estar de uma
população que sofre com a baixa renda
e o desemprego, poderia injetar R$ 50
bilhões na atividade econômica, favorecendo o emprego e reforçando a arrecadação pública. O achatamento da estrutura de rendimentos do trabalho vivido
pelo país nesses últimos 20 anos transforma a política de valorização do salário mínimo num importante instrumento de recuperação da renda e de indução do mercado interno.
Apesar da necessidade de uma elevação substantiva do valor do salário mínimo, não é possível fazê-la em um curto espaço de tempo. Assim, seria mais
interessante começar a trilhar um caminho que duplicasse seu poder de compra até o final da década, deslocando
adequadamente as limitações existentes
e alimentando uma trajetória de crescimento. Uma decisão política nessa direção seria justa ética e socialmente. Para
tanto é preciso iniciar esse movimento e
definir parâmetros de uma política que
sinalize os termos da elevação do mínimo nos próximos anos, dando previsibilidade aos setores público e privado.
Do contrário, continuaremos tropeçando nas limitações sistematicamente
reafirmadas e reiterando a condição de
um salário mínimo desvalorizado.
Claudio Salvadori Dedecca, 47, é professor do
Instituto de Economia e Pesquisador do Centro
de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho,
da Unicamp.
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