São Paulo, sábado, 17 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS / DEBATES

É viável um aumento do salário mínimo acima da inflação?

SIM

É viável e vale a pena

CLAUDIO SALVADORI DEDECCA

Parodiando o mestre Tom Jobim, o debate sobre o salário mínimo se assemelha às "águas de março fechando o verão". Passado o período, o tema entra em regime de hibernação até o início do ano seguinte. Mantida a prática, a recuperação do salário mínimo tende a ser mera ilusão. As dificuldades econômicas e políticas impedem que, nos meses em que o tema ganha relevância, possa se tratar adequadamente de todas as implicações que um aumento de seu valor real geraria nas contas públicas e na esfera privada. São inegáveis as limitações à elevação real de seu valor na ausência de uma política adequada.
Mas é possível estabelecer uma política de valorização do salário mínimo responsável em termos fiscais e, principalmente, ética e socialmente justa. A solução não é simples nem permite uma duplicação do poder de compra do salário no curto prazo. O atual "modus operandi" da política transforma-se em uma verdadeira armadilha, pois faz com que as limitações econômicas e políticas se apresentem como intransponíveis no momento de definição do salário mínimo. É impossível tratar cuidadosamente dessa questão neste espaço. A análise aqui apresentada encontra-se desenvolvida em um ensaio no site www.ie.ufrj. br/aparte.
Os economistas aprendem nos bancos escolares que aumentos salariais iguais aos incrementos do produto e da produtividade não são inflacionários. Essa premissa garante a participação dos salários na renda e é aceita pelas diversas vertentes de pensamento econômico. Cabe, portanto, perguntar: por que não reajustar o salário mínimo segundo a evolução do produto e da produtividade? E, caso haja condição econômica e política, por que esse aumento básico não pode ser complementado por um adicional negociado? Afinal, essa orientação de reajuste básico não tem impacto inflacionário, e o adicional negociado seria uma decisão de governo e sociedade que levaria em conta o contexto econômico e político.
Enfrentada essa primeira limitação decorrente de possíveis constrangimentos econômicos, surge a questão dos efeitos do salário mínimo sobre os gastos da Previdência, que são sempre apresentados como um problema relevante. Exercício realizado com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD/IBGE mostra que um aumento real de 11%, correspondente a uma elevação esperada de 3% do PIB, mais um incremento estimado de 3% da produtividade e ainda um aumento adicional de 4% representaria uma variação do gasto com benefícios da Previdência da ordem de 85% do aumento de arrecadação das contribuições sociais específicas após o reajuste.
Outras limitações se apresentam, mas são também passíveis de enfrentamento, se adotadas medidas adequadas. São os casos dos Estados e municípios. Uma queda da taxa de juros poderia melhorar a capacidade financeira desses entes públicos, permitindo que eles arcassem com um aumento real do mínimo.
Outra dificuldade associa-se às pequenas e médias empresas. O impacto do aumento do salário mínimo poderia agravar uma situação de intenso sufoco financeiro por elas vivido, em decorrência dos juros escorchantes. Por que não propiciar uma compensação fiscal ou reduzir os juros para que elas possam absorver o maior gasto do salário mínimo? O enfrentamento dessas restrições se justifica em face dos amplos benefícios do aumento do salário mínimo.
Uma elevação de seu valor em 11%, além de aumentar o bem-estar de uma população que sofre com a baixa renda e o desemprego, poderia injetar R$ 50 bilhões na atividade econômica, favorecendo o emprego e reforçando a arrecadação pública. O achatamento da estrutura de rendimentos do trabalho vivido pelo país nesses últimos 20 anos transforma a política de valorização do salário mínimo num importante instrumento de recuperação da renda e de indução do mercado interno.
Apesar da necessidade de uma elevação substantiva do valor do salário mínimo, não é possível fazê-la em um curto espaço de tempo. Assim, seria mais interessante começar a trilhar um caminho que duplicasse seu poder de compra até o final da década, deslocando adequadamente as limitações existentes e alimentando uma trajetória de crescimento. Uma decisão política nessa direção seria justa ética e socialmente. Para tanto é preciso iniciar esse movimento e definir parâmetros de uma política que sinalize os termos da elevação do mínimo nos próximos anos, dando previsibilidade aos setores público e privado.
Do contrário, continuaremos tropeçando nas limitações sistematicamente reafirmadas e reiterando a condição de um salário mínimo desvalorizado.


Claudio Salvadori Dedecca, 47, é professor do Instituto de Economia e Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, da Unicamp.


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