São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

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JOSÉ SARNEY

O risco Brasil e ai de nós!

"O Brasil é uma ilha de prosperidade", cercada por um "mar de turbulências da América Latina". Esse é um segredo bem guardado que só se conhece no Brasil, massificado por uma competente comunicação do governo. Viajo pela Europa e pelos Estados Unidos e aqui não se tem conhecimento disso. Ao contrário, e infelizmente, avaliam o Brasil como exemplo de instabilidade no conjunto de um continente imerso num caldeirão de caos social, cuja face mais visível é a violência endêmica, a guerrilha urbana, a pobreza, a corrupção e um populismo nostálgico e ideológico que já desapareceu do mundo.
O 11 de setembro marca "o funeral da Guerra Fria", como disse o chanceler britânico Jack Straw, com o ardente e inesperado romance de Putin e Bush, dois temperamentos movidos pela razão prática e unidos contra o terrorismo. A Rússia será, dentro de alguns dias, o 20º membro da Otan (criada contra ela), e o tratado que estão firmando de redução de arsenais nucleares seria um avanço impensável há um ano. O "New York Times" saúda o novo clima, profetizando que a "Rússia será parceira do mundo ocidental, desempenhando um importante papel".
O inventário do comunismo está concluído. Agora, novos tempos, novas políticas. Com referência ao Brasil, na expressão de Kenneth Maxwell, nosso lugar na nova ordem é de "um isolamento hostil". A tal presença do Brasil foi morta com o fim da "era Clinton", vítima de um desprezo contristador. Por uma dessas surpresas da história, o texano Bush transformou-se num líder mundial de estilo e gosto "old fashioned": grosso, duro e reacionário.
Em sua garganta, não passa Fidel ou Chávez. E ele cultiva uma cobrança amarga da falta de solidariedade do Brasil no 11 de setembro, limitada a telegramas formais e a um juridicismo que não é do estilo Bush ao pedir a aplicação do fóssil Tiar, que os americanos nem sabiam mais o que era.
Outro tempo que acabou foi o das grandes ajudas para evitar "default", tendo como mostra a agonia da Argentina.
Outra coisa com que o 11 de setembro acabou foi a visão da América única de Monroe, Wilson e Roosevelt. Hoje, América Central e do Sul que se virem. As atuais responsabilidades mundiais americanas não transitam no Atlântico Sul. O México, fora da comunidade latino-americana, é uma economia afluente da América do Norte.
Esses ventos não são obra do Lula. A situação do Brasil já é vulnerável há muito tempo. Enquanto não virarmos o jogo da exportação, o perigo não acabará. Teremos de viver do atrativo de juros altos, de capital especulativo e de investimento em declínio. A década de 90 foi mais que perdida, foi trágica. Basta ver a ridícula apelação às geladeiras e televisões compradas a crédito, muitas vezes a juros de 10% ao mês -uma geladeira para o consumidor, outra para o financiador. Resultado: todo mundo rezando para santa Edwiges, e a inadimplência chegando a mais de 40%.
Enquanto isso, a Igreja da Natividade, construída no local onde nasceu Jesus, foi cercada por Sharon, que ameaçou invadi-la. E, agora, leio que um juiz do Acre condenou Jesus Cristo por infringir a propaganda eleitoral. "Cristo é a salvação", mensagem proibida pela lei. Depois da verticalização, só essa. Ai de nós!


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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