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JOSÉ SARNEY
O risco Brasil
e ai de nós!
"O Brasil é uma ilha de prosperidade", cercada por um "mar
de turbulências da América Latina".
Esse é um segredo bem guardado que
só se conhece no Brasil, massificado
por uma competente comunicação do
governo. Viajo pela Europa e pelos Estados Unidos e aqui não se tem conhecimento disso. Ao contrário, e infelizmente, avaliam o Brasil como exemplo de instabilidade no conjunto de
um continente imerso num caldeirão
de caos social, cuja face mais visível é a
violência endêmica, a guerrilha urbana, a pobreza, a corrupção e um populismo nostálgico e ideológico que já
desapareceu do mundo.
O 11 de setembro marca "o funeral
da Guerra Fria", como disse o chanceler britânico Jack Straw, com o ardente e inesperado romance de Putin e
Bush, dois temperamentos movidos
pela razão prática e unidos contra o
terrorismo. A Rússia será, dentro de
alguns dias, o 20º membro da Otan
(criada contra ela), e o tratado que estão firmando de redução de arsenais
nucleares seria um avanço impensável
há um ano. O "New York Times" saúda o novo clima, profetizando que a
"Rússia será parceira do mundo ocidental, desempenhando um importante papel".
O inventário do comunismo está
concluído. Agora, novos tempos, novas políticas. Com referência ao Brasil,
na expressão de Kenneth Maxwell,
nosso lugar na nova ordem é de "um
isolamento hostil". A tal presença do
Brasil foi morta com o fim da "era
Clinton", vítima de um desprezo contristador. Por uma dessas surpresas da
história, o texano Bush transformou-se num líder mundial de estilo e gosto
"old fashioned": grosso, duro e reacionário.
Em sua garganta, não passa Fidel ou
Chávez. E ele cultiva uma cobrança
amarga da falta de solidariedade do
Brasil no 11 de setembro, limitada a telegramas formais e a um juridicismo
que não é do estilo Bush ao pedir a
aplicação do fóssil Tiar, que os americanos nem sabiam mais o que era.
Outro tempo que acabou foi o das
grandes ajudas para evitar "default",
tendo como mostra a agonia da Argentina.
Outra coisa com que o 11 de setembro acabou foi a visão da América
única de Monroe, Wilson e Roosevelt.
Hoje, América Central e do Sul que se
virem. As atuais responsabilidades
mundiais americanas não transitam
no Atlântico Sul. O México, fora da
comunidade latino-americana, é uma
economia afluente da América do
Norte.
Esses ventos não são obra do Lula. A
situação do Brasil já é vulnerável há
muito tempo. Enquanto não virarmos o jogo da exportação, o perigo
não acabará. Teremos de viver do
atrativo de juros altos, de capital especulativo e de investimento em declínio. A década de 90 foi mais que perdida, foi trágica. Basta ver a ridícula
apelação às geladeiras e televisões
compradas a crédito, muitas vezes a
juros de 10% ao mês -uma geladeira
para o consumidor, outra para o financiador. Resultado: todo mundo
rezando para santa Edwiges, e a inadimplência chegando a mais de 40%.
Enquanto isso, a Igreja da Natividade, construída no local onde nasceu
Jesus, foi cercada por Sharon, que
ameaçou invadi-la. E, agora, leio que
um juiz do Acre condenou Jesus Cristo por infringir a propaganda eleitoral. "Cristo é a salvação", mensagem
proibida pela lei. Depois da verticalização, só essa. Ai de nós!
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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