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TENDÊNCIAS/DEBATES
Um desafio aos presidenciáveis
JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI
Nas duas últimas décadas o Brasil buscou reconstruir os fundamentos da vida democrática em meio
aos desafios nascidos das transformações econômicas, políticas e sociais no
mundo atual.
Os resultados não foram bons. Dissipando-se as fumaças decorrentes das
articulações e dos conflitos políticos, jurídicos e policiais deste momento pré-eleitoral -que, enfatizadas pela imprensa, acabam aparecendo ao eleitor
como o lado fundamental da questão
nacional-, o que se enxerga de essencial é a fratura entre a relativa liberdade
conquistada e a negação dos direitos
fundamentais, como emprego, saúde,
educação, segurança e proteção à infância, à velhice e às minorias.
Tudo isso é agravado no nosso país
pelo processo, até aqui injusto, de globalização e por uma década de abandono das políticas públicas em prol de um
modelo monetarista de desenvolvimento, que nos levou à concentração da renda, da terra e da riqueza, à perda do patrimônio nacional e a um crescimento
inusitado da nossa dívida e dos nossos
juros. Não podemos aceitar a exclusão
social como desfecho da contemporaneidade, tampouco a substituição de
uma ditadura militar por uma ditadura
do capital, que é o que está acontecendo
-e muito menos o apequenamento da
história de um país continental, como o
Brasil.
Nesse panorama é que estão se desenvolvendo as disputas eleitorais, que se
decidirão em apenas seis meses; estranhamente, até agora não apareceu nenhum conjunto de propostas que signifiquem um programa para o próximo
governo.
A universidade brasileira, guardiã e
produtora de saberes e modelos de potenciais de desenvolvimento humano,
não pode se omitir em face de tão fragrante desequilíbrio. Um bom exemplo
de engajamento acadêmico foi o seminário "A Crise das Políticas Públicas"
-que toca o ponto fulcral da delicada
situação que vivemos-, realizado no
mês passado, em São Paulo, pelo Imae
(Instituto Metropolitano de Altos Estudos) e pela UniFMU.
Durante uma semana, conferencistas
da altura de Delfim Netto, Aloysio Nunes Ferreira, Aloizio Mercadante, José
Goldemberg, Marco Aurélio de Mello,
Edevaldo Alves da Silva, Luiz Gonzaga
Belluzzo, Sônia Miriam Draibe, José Renato Nalini e vários outros juntaram-se
a dezenas de professores e milhares de
alunos para debater a questão, chegando a importantes conclusões, tais como:
As políticas públicas constituem o instrumento mais importante para a governabilidade e a correção da distribuição de renda e devem, privilegiando a
cidadania, conduzir ao desenvolvimento humano. Para isso é preciso redefinir
o papel do Estado, do mercado e da política econômica, que devem ser submetidos ao escrutino democrático, como
um instrumento do desenvolvimento;
Não existem, entretanto, políticas públicas sem desenvolvimento econômico. O empresariado nacional, que tem
sido desprotegido, e o mercado interno,
que tem sido escancarado, são essenciais para um desenvolvimento verdadeiro, com avanço da competitividade
de nossa indústria, desde que ciência e
tecnologia sejam priorizadas;
Até agora não apareceu nenhum conjunto de propostas que signifique um programa para o próximo governo
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São necessárias algumas revoluções:
na política de saúde, tirando o SUS do
discurso e colocando-o na prática; na
política educacional, transformando a
educação pública em formação integral
e humanística do cidadão; e na política
de segurança, como condição fundamental para uma vida civilizada. Essas
políticas públicas essenciais devem estar na mão de pessoas com formação,
experiência administrativa e vontade
política, capazes de se antecipar aos fatos e não somente reagir a eles;
A imprensa deve desempenhar um
papel relevante nesse processo de mudança, aprofundando-se na informação
de qualidade e descompromissada, com
a garantia de sua indispensável liberdade de expressão, mas com responsabilidade das fontes informativas, que devem atuar sem mordaças, porém conscientes do dever de respeitar a privacidade e a intimidade dos indivíduos;
Para alcançar esses objetivos necessita-se do fortalecimento dos partidos políticos, com doutrinas claras, que sejam
respeitadas pelo próprio partido. É preciso também mudar o processo de recrutamento intrapartidário de lideranças, para que se possam selecionar dignidades e eficiências, eliminando mediocridades e condutas distorcidas.
Convenhamos que o seminário chegou a uma pauta de discussão diferente
do apoucado processo de fulanização e
disputas da política brasileira de hoje.
Por isso, até para fertilizar uma discussão ideológica e programática, o próximo passo será convidar cada um dos
presidenciáveis para discutir esse documento -publicado na Folha de 28/4/
02- em uma audiência pública no
Imae/UniFMU.
Ao assistir ao seminário e redigir suas
conclusões, junto com os companheiros do Imae, lembrei-me de trecho de
um poema que rascunhei ao ser empossado na Academia Campinense de Letras: "Ganho forças, descanso, bebo
desta água, a utopia reacende, pasto e
semente, da verdade futura". Este é o
papel da universidade crítica e das elites
intelectuais do país, cuja atitude de se
afastar do processo político pelo desgaste que ele ocasiona é a demonstração de
um descompromisso inaceitável.
Se quisermos ter uma verdadeira democracia com liberdade e cidadania, todos devem participar do processo. À
academia está reservado o papel de tentar estabelecer uma discussão contínua
e informada com aqueles que se propõem a dirigir os nosso destinos e difundir esses resultados para a politização qualitativa dos nossos cidadãos.
José Aristodemo Pinotti, 66, professor titular e
chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP, é presidente do Imae. Foi deputado federal (1994-98),
secretário da Educação (1986-87) e da Saúde
(1987-91) do Estado de São Paulo, secretário da
Saúde do município de São Paulo (2000) e reitor
da Unicamp.
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