São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2008

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Bom começo

Depois de dar-se conta de que a inflação ameaça voltar, cabe ao presidente Lula partir para a ação e frear a despesa pública

A PREOCUPAÇÃO com uma disparada de preços entrou de vez na retórica presidencial. Ontem, em discurso na sede da Bovespa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao assunto: "Temos a obrigação", referia-se a governo, trabalhadores e empresários, "de não permitir que a inflação volte a atrapalhar o sonho de estabilidade que este país construiu".
Outro fato digno de nota, e correlato, são os conselheiros e os conselhos sobre condução da política econômica que Lula tem se disposto a escutar. O ex-ministro Delfim Netto e o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, pelo visto, encontram cada vez mais receptividade no Planalto com suas propostas de colocar um freio nas despesas públicas e elevar substancialmente o saldo de caixa do governo, o superávit primário, como medidas preventivas.
A entrevista de Belluzzo a esta Folha, publicada ontem, é um exemplo raro de lucidez e objetividade. O economista não perde tempo açulando diferenças de visão entre ortodoxos e heterodoxos, ou entre a Fazenda e o Banco Central. Importa menos, para ele, que os juros básicos tenham sido reduzidos apenas timidamente quando a situação doméstica e internacional permitia um alívio maior; ou que a política monetária tenha contribuído para valorizar demais o real.
Para enfrentar uma conjuntura qualitativamente diversa, e muito mais difícil, não cabe nutrir ilusões de que a taxa Selic possa parar de subir no curto prazo ou de que o câmbio possa se desvalorizar agora. Esses seriam fatores que catalisariam a subida de preços e desorganizariam a economia interna, distribuindo prejuízos maiores para as famílias de baixa renda.
O que interessa neste momento é que todos os mecanismos da política econômica devem voltar-se para o objetivo de inibir o ímpeto da demanda doméstica, com o cuidado de sacrificar o mínimo possível o ciclo de crescimento econômico e os investimentos produtivos. Se o galope do crédito, um dos fatores que alavancam a procura por bens e serviços, pode ser contido com medidas pontuais do BC e da Fazenda, falta ainda um garrote sobre as despesas públicas em todas as esferas de governo.
Keynesianos, como Belluzzo, pragmáticos, como Delfim Netto, e liberais, como o ex-presidente do BC Armínio Fraga, convergem sobre a necessidade de fixar em lei um limite para a alta dos gastos de manutenção da máquina. O governo Lula acenou com algo do gênero -um teto de 1,5% acima da inflação para o crescimento de gastos com pessoal- no início do ano passado, mas esqueceu o assunto.
A memória do presidente Lula, cuja reeleição dependeu, entre outros fatores, da estabilidade dos preços, pode mesmo ter sido reavivada pelo repique dos índices de inflação. O Planalto, contudo, tem muito mais a fazer do que conclamar a sociedade a que evite a volta da carestia.
O anúncio de um superávit primário maior, na casa dos 5% do PIB, de um mecanismo para limitar gastos correntes em todo o setor público e do compromisso de vetar e rever qualquer medida que acarrete aumento de despesa seria um bom começo.


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