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Bom começo
Depois de dar-se conta de que a inflação ameaça voltar, cabe ao presidente Lula partir para a ação e frear a despesa pública
A PREOCUPAÇÃO com
uma disparada de preços entrou de vez na retórica presidencial.
Ontem, em discurso na sede da
Bovespa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou ao assunto: "Temos a obrigação", referia-se a governo, trabalhadores e
empresários, "de não permitir
que a inflação volte a atrapalhar
o sonho de estabilidade que este
país construiu".
Outro fato digno de nota, e correlato, são os conselheiros e os
conselhos sobre condução da política econômica que Lula tem se
disposto a escutar. O ex-ministro
Delfim Netto e o professor Luiz
Gonzaga Belluzzo, pelo visto, encontram cada vez mais receptividade no Planalto com suas propostas de colocar um freio nas
despesas públicas e elevar substancialmente o saldo de caixa do
governo, o superávit primário,
como medidas preventivas.
A entrevista de Belluzzo a esta
Folha, publicada ontem, é um
exemplo raro de lucidez e objetividade. O economista não perde
tempo açulando diferenças de visão entre ortodoxos e heterodoxos, ou entre a Fazenda e o Banco Central. Importa menos, para
ele, que os juros básicos tenham
sido reduzidos apenas timidamente quando a situação doméstica e internacional permitia um
alívio maior; ou que a política
monetária tenha contribuído para valorizar demais o real.
Para enfrentar uma conjuntura qualitativamente diversa, e
muito mais difícil, não cabe nutrir ilusões de que a taxa Selic
possa parar de subir no curto
prazo ou de que o câmbio possa
se desvalorizar agora. Esses seriam fatores que catalisariam a
subida de preços e desorganizariam a economia interna, distribuindo prejuízos maiores para as
famílias de baixa renda.
O que interessa neste momento é que todos os mecanismos da
política econômica devem voltar-se para o objetivo de inibir o
ímpeto da demanda doméstica,
com o cuidado de sacrificar o mínimo possível o ciclo de crescimento econômico e os investimentos produtivos. Se o galope
do crédito, um dos fatores que
alavancam a procura por bens e
serviços, pode ser contido com
medidas pontuais do BC e da Fazenda, falta ainda um garrote sobre as despesas públicas em todas as esferas de governo.
Keynesianos, como Belluzzo,
pragmáticos, como Delfim Netto, e liberais, como o ex-presidente do BC Armínio Fraga, convergem sobre a necessidade de
fixar em lei um limite para a alta
dos gastos de manutenção da
máquina. O governo Lula acenou
com algo do gênero -um teto de
1,5% acima da inflação para o
crescimento de gastos com pessoal- no início do ano passado,
mas esqueceu o assunto.
A memória do presidente Lula,
cuja reeleição dependeu, entre
outros fatores, da estabilidade
dos preços, pode mesmo ter sido
reavivada pelo repique dos índices de inflação. O Planalto, contudo, tem muito mais a fazer do
que conclamar a sociedade a que
evite a volta da carestia.
O anúncio de um superávit primário maior, na casa dos 5% do
PIB, de um mecanismo para limitar gastos correntes em todo o
setor público e do compromisso
de vetar e rever qualquer medida
que acarrete aumento de despesa seria um bom começo.
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