São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2008

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O xis da questão

"NÓS JÁ DERRAMAMOS muito sangue por este país. Não vamos desistir dele por causa de um mero xis numa cédula. Como pode uma caneta esferográfica enfrentar armas?" Nessa toada o ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, faz campanha para o segundo turno da eleição presidencial do próximo dia 27.
Mugabe também já chamou seu oponente, Morgan Tsvangirai, de traidor e ameaçou iniciar uma guerra para não entregar o poder no caso de vitória da oposição. Apesar desse e de outros antecedentes, o Itamaraty insiste em enviar para o Zimbábue uma missão de observadores eleitorais. Na avaliação da diplomacia brasileira, o primeiro turno, já marcado por suspeita de fraudes generalizadas, teve uma votação "idônea e ordeira".
O Brasil participou do pleito de 29 de março na condição de observador, ao lado de outras nações tidas como neutras por Mugabe. A lista inclui China, Venezuela, Irã, Rússia, Sudão e Líbia.
Desde março, as irregularidade se multiplicam. Os resultados do primeiro turno levaram mais de um mês para ser divulgados. Tsvangirai foi preso e liberado quatro vezes, e o número dois de seu partido está na cadeia. Há informações de que gangues pró-Mugabe empreendem campanha de intimidação nas vilas em que o ditador perdeu.
Compreende-se que o Itamaraty persiga a política externa pragmática, que lhe permita influenciar variados atores. Tal meta exclui a tomada de posições estritamente moralistas.
Mas o excesso de pragmatismo também é um mal a ser evitado. Existem alguns princípios em relação aos quais não se pode tergiversar, sob pena de acobertar e coonestar barbáries. É esse sutil limite entre saudável realismo e necessário respeito a valores universais que o Itamaraty, neste episódio, rompeu.


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