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MARCOS NOBRE
Dois votos
NÃO ANDA fácil a vida dos
analistas de política. Até
ontem, costumavam variar
entre afirmar que o governo tem
uma base comprada que aprova
qualquer coisa, dizer que Lula vai
virar Hugo Chávez ou que vai, sem
dúvida, para a aventura do terceiro
mandato.
Está cada vez mais difícil negar a
realidade para reafirmar esse trio
de obsessões. Faz tempo que a base
congressual serve apenas para evitar que o governo seja completamente emparedado. Até Chávez foi
obrigado a tirar momentaneamente o time bolivariano de campo e
tenta dar de bom moço. Nem a velhinha de Taubaté acredita hoje na
conversa de terceiro mandato.
Afastar essas obsessões tão persistentes pode ajudar a entender o
que efetivamente está acontecendo. A formulação simples da situação atual é a seguinte: o governo está convencido de que a oposição
quer lhe tirar recursos para obras
(o PAC, principalmente); e a oposição quer de fato inviabilizar ao máximo o investimento do governo,
alarmada com os recordes de arrecadação que não pode evitar.
Mas as coisas são sempre muito
mais complicadas. Vêm da própria
base do governo pressões para
mais gastos com custeio e folha de
pagamento: aprovação da regulamentação da emenda 29 para a
saúde, extinção do fator previdenciário, extensão dos reajustes do
salário mínimo a todos os aposentados. E parte importante da oposição (os governadores, principalmente) apóia nos bastidores a criação da CSS, a nova CPMF.
Mais complicado ainda, a inflação está à solta. O Banco Central
aumenta os juros que manteve desnecessariamente altos por mais de
ano. E o governo se vê sem alternativas de política econômica menos
danosas ao crescimento. E à verba
para investimentos.
É isso o que explica as suas últimas atuações amalucadas. Tendo
clareza de que tem mesmo de conter o gasto público para não ver o
Banco Central colocar os juros na
estratosfera, o governo decidiu aumentar o superávit primário e inventar um fundo soberano que
ninguém sabe o que é nem o que
será. Conseguiu contra si uma unanimidade: que os recursos seriam
muito mais bem empregados no
abatimento da dívida pública.
Para não ver seus investimentos
tolhidos pelo aumento de recursos
para a saúde previsto pela emenda
29, decidiu recriar a CPMF com
novo nome e alíquota. É provavelmente a manobra parlamentar
mais canhestra dos últimos tempos. A CPMF já foi derrubada pelo
Congresso. Por más razões, mas
foi. Ao governo caberia apenas
aceitar a derrota e tocar adiante.
Preferiu arriscar e aprovou a medida na Câmara por dois votos.
Dois votos. A oposição agradece.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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