São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2008

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MARCOS NOBRE

Dois votos

NÃO ANDA fácil a vida dos analistas de política. Até ontem, costumavam variar entre afirmar que o governo tem uma base comprada que aprova qualquer coisa, dizer que Lula vai virar Hugo Chávez ou que vai, sem dúvida, para a aventura do terceiro mandato.
Está cada vez mais difícil negar a realidade para reafirmar esse trio de obsessões. Faz tempo que a base congressual serve apenas para evitar que o governo seja completamente emparedado. Até Chávez foi obrigado a tirar momentaneamente o time bolivariano de campo e tenta dar de bom moço. Nem a velhinha de Taubaté acredita hoje na conversa de terceiro mandato.
Afastar essas obsessões tão persistentes pode ajudar a entender o que efetivamente está acontecendo. A formulação simples da situação atual é a seguinte: o governo está convencido de que a oposição quer lhe tirar recursos para obras (o PAC, principalmente); e a oposição quer de fato inviabilizar ao máximo o investimento do governo, alarmada com os recordes de arrecadação que não pode evitar.
Mas as coisas são sempre muito mais complicadas. Vêm da própria base do governo pressões para mais gastos com custeio e folha de pagamento: aprovação da regulamentação da emenda 29 para a saúde, extinção do fator previdenciário, extensão dos reajustes do salário mínimo a todos os aposentados. E parte importante da oposição (os governadores, principalmente) apóia nos bastidores a criação da CSS, a nova CPMF.
Mais complicado ainda, a inflação está à solta. O Banco Central aumenta os juros que manteve desnecessariamente altos por mais de ano. E o governo se vê sem alternativas de política econômica menos danosas ao crescimento. E à verba para investimentos.
É isso o que explica as suas últimas atuações amalucadas. Tendo clareza de que tem mesmo de conter o gasto público para não ver o Banco Central colocar os juros na estratosfera, o governo decidiu aumentar o superávit primário e inventar um fundo soberano que ninguém sabe o que é nem o que será. Conseguiu contra si uma unanimidade: que os recursos seriam muito mais bem empregados no abatimento da dívida pública.
Para não ver seus investimentos tolhidos pelo aumento de recursos para a saúde previsto pela emenda 29, decidiu recriar a CPMF com novo nome e alíquota. É provavelmente a manobra parlamentar mais canhestra dos últimos tempos. A CPMF já foi derrubada pelo Congresso. Por más razões, mas foi. Ao governo caberia apenas aceitar a derrota e tocar adiante.
Preferiu arriscar e aprovou a medida na Câmara por dois votos.
Dois votos. A oposição agradece.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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