|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Jamelão
RIO DE JANEIRO - José Bispo do
Santos, que é Jamelão para todos os
efeitos, declara-se na prorrogação,
diz que está no lucro. Apesar disso,
reclama que a Mangueira quer aposentá-lo como puxador de samba,
ele que continua sendo o maior de
todos, consenso e referência das escolas de samba.
Jamelão também reclama quando o classificam como "puxador" de
samba. Ele se define como intérprete de samba-enredo, mas é bem
mais do que isso. Assisti, há tempos,
a um programa especial sobre ele.
Apesar de malfeito, fiquei, como
sempre, comovido com a sua voz,
voz arrancada de dentro dele, caixa
de ressonância da dor, do ciúme, da
distância.
Jamelão parece autor das músicas que canta, embora poucas sejam realmente de sua autoria, como
o clássico "Fechei a Porta". Mas
quem garante que seus dois maiores sucessos, "Folha Morta", de Ary
Barroso, e "Matriz e Filial", de Lúcio Cardim, não são dele?
Sua interpretação é tão sincera,
tão dolorosa em alguns momentos,
que as duas canções passam a ser
dele, metabolizadas pela sua voz,
pelo seu jeito de dizer a letra, de ir
do grave ao agudo, até mesmo desafinando um pouco, mas na hora certa de desafinar.
Um de seus sonhos, parece que
ainda não realizado, é gravar um
disco só com músicas de Lúcio Cardim, que se tornou vítima preferencial do próprio Jamelão -tudo o
que ele fez acabou pertencendo
mais ao intérprete do que ao autor.
É o caso daquele "quem sou eu?"
que começa o "Matriz e Filial". O
"eu" em tom grave é Jamelão puro,
é só dele, ninguém mais tem o direito de se proclamar "Eu". Com a voz
arrancada das entranhas da terra,
de um mundo que só ele viveu. (Esta crônica foi publicada em
12.02.05)
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Pena de morte Próximo Texto: Marcos Nobre: Dois votos Índice
|