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Conluio demagógico
De olho na urna, presidente Lula sanciona reajuste a aposentados, e candidatos ignoram debate sobre as consequências da medida
Um conluio demagógico de governo e oposição furtou do debate
eleitoral um dos temas mais relevantes das políticas públicas -o
da Previdência. O presidente da
República, parlamentares de todas as siglas e os principais candidatos ao Planalto escamotearam
as implicações políticas e financeiras de mais um reajuste dos benefícios do INSS.
Trata-se do aumento das aposentadorias de quem recebe mais
de um salário mínimo mensal. Lula decretara um reajuste já superior à inflação de 2009, mas o Congresso decidiu elevá-lo ainda
mais. Diante do exagero, o ministro da Fazenda sugeriu ao presidente que vetasse a medida.
Durante semanas, Lula encenou o teatro da responsabilidade.
A postulante governista, Dilma
Rousseff (PT), como era de prever,
disse que seguiria o líder. O principal nome da oposição, José Serra
(PSDB), anunciou que também estaria de acordo com a decisão presidencial. Premido pelo interesse
de auxiliar sua candidata e pelo
risco de ver o Congresso conceder
aumento ainda maior, caso a matéria retornasse à Casa, Lula sancionou a decisão parlamentar.
O reajuste -que deverá gerar
gasto extra de R$ 1,6 bilhão no
ano, segundo cálculos oficiais-
ressalta a face perdulária do governo, embora não vá provocar,
por si só, uma calamidade fiscal.
No terreno do debate público, o
problema maior é o absenteísmo
intelectual, moral e político das figuras envolvidas na decisão. Situação e oposição não discutiram
as implicações do aumento, o sentido da política de reajustes em vigor há duas décadas e os possíveis
usos alternativos desses recursos.
Está em jogo um aumento de
rendimentos de 8,3 milhões dos
27,3 milhões de beneficiários do
INSS, que ficam com 52% de todos
os pagamentos da Previdência Social. Em média, esse grupo recebe
R$ 1.273 mensais. Mas a maioria
dos beneficiários, 68%, ganha entre um e três salários mínimos
-R$ 916, na média. O piso previdenciário é de R$ 510.
Nem de longe pode-se considerar que esses pensionistas sejam
privilegiados -mas o rendimento
médio do trabalho dos 21,8 milhões de brasileiros das seis maiores regiões metropolitanas, segundo o IBGE, é de R$ 1.424 mensais. Qual o sentido de ajustar o
valor das aposentadorias a uma
taxa superior à do crescimento da
economia? Ao fazê-lo, é bom lembrar, transfere-se renda para
quem está aposentado, embora
haja população mais carente.
Diante disso, seria melhor, por
exemplo, aplicar os recursos em
programas como o Bolsa Família?
Alguns acreditam que sim, mas é
possível que não, pois cerca de
50% dos aposentados mantêm famílias extensas e exercem papel
relevante em economias de pequenas localidades, praticamente
à margem do mercado.
A questão crucial é saber até
quando os reajustes previdenciários devem superar o crescimento
da economia. Entre 1991 e 2009, o
país cresceu 2,9% ao ano -e a
despesa com o INSS, 7,5%, segundo cálculo do economista Fábio
Giambiagi. Nesse ritmo os aposentados não caberão no PIB.
A menos de quatro meses da
eleição, candidatos ao Executivo e
ao Congresso pouco ou nada disseram sobre essas questões. De
olho na urna, fugiram do debate.
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