São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 2006

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VINICIUS MOTA

Na raça

SÃO PAULO- Há um barulho exagerado no debate sobre a Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial. Quem observa as duas partes se digladiarem pode ser levado a crer que algo fundamental para o destino da sociedade esteja em jogo. Benefícios e malefícios que podem surgir da discussão são pontuais e tendem a se diluir com o tempo.
O estatuto, fora o capítulo das cotas, é uma declaração de princípios; atesta que negros têm os direitos que a Constituição diz que possuem. A temida classificação oficial por raça não tem a menor chance de moldar, de cima para baixo, a maneira fluida pela qual se definem "identidades" no país. A medida vai congelar-se na esfera burocrática, só para constar em documentos. Intrigante é saber como se extrairá de recém-nascidos a autodeclaração de raça, item que seria obrigatório na certidão de nascimento.
Já a discussão sobre reserva de vagas evitará impasses à frente caso se espelhe na experiência americana. Cotas são proibidas nos EUA desde 1978, quando a Suprema Corte vetou a reserva de vagas na Universidade da Califórnia. Para a maioria dos juízes, o sistema viola as leis que puseram fim à discriminação formal no país -notadamente a dos direitos civis de 1964.
Ações afirmativas são possíveis na nação de George Washington desde que o critério de cor/raça seja um entre outros que uma universidade leva em conta ao selecionar um aluno. Eu me surpreenderia se o Supremo brasileiro, assentado em repertório constitucional que acolhe as principais conquistas americanas, manifestasse decisão diferente caso provocado sobre cotas.
Outro pilar consagrado pelo Supremo dos EUA que deveria ser respeitado aqui é a autonomia acadêmica. Não cabe à lei ditar critérios específicos de escolha de estudantes a uma USP ou uma Unicamp, que aliás começam a adotar iniciativas interessantes para aumentar a diversidade de seu corpo discente.


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