São Paulo, Sábado, 17 de Julho de 1999
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Como distribuir a renda?

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Impressiona, sem dúvida, saber que o Brasil, apesar dos esforços do governo, continua longe de conseguir uma adequada distribuição de renda. Os números são conhecidos. Nosso patriotismo sente-se atingido ao perceber que a maioria de outros países alcança índices melhores de distribuição e convivência humana mais solidária.
Essa desigualdade social, crônica, desafia, em especial, a consciência cristã do povo brasileiro. Não é coerente com a nossa fé proclamar a fraternidade dos filhos de Deus e o mandamento do amor da nova lei e, ao mesmo tempo, conviver com a pobreza atroz dos que procuram matar a fome com os restos do lixão. Uma explicação dessa nossa atitude de frieza e apatia é o crescente individualismo dos tempos atuais, que fecha o coração ao sofrimento alheio.
Não podemos nos habituar com a situação injusta em que se encontram tantos concidadãos. Mais. Diante de Jesus Cristo temos que rever nosso comportamento pessoal e social.
A prática religiosa de muitos cristãos torna-se intimista ou assume expressões emocionais dissociadas das exigências éticas e da co-responsabilidade cristã pelo bem do próximo. Se em algumas comunidades há sérios e eficazes serviços sociais, em outras faltam essas iniciativas e crescem aspectos mais festivos e alheios ao clamor dos pobres.
Frente a essa realidade e cada vez mais próximos do Grande Jubileu de nossa fé, deixemo-nos questionar em nossa consciência, abrindo-nos à atitude de conversão e de enfrentamento dos desafios.
A primeira experiência é a de voltarmo-nos mais para Deus e o mistério da sua vida trinitária, fonte de gratuidade, doação e comunhão. É à luz de Deus que compreenderemos o sentido da vida. Com efeito, um dos aspectos mais perniciosos do individualismo nasce da concepção de um mundo temporal, sem transcendência nem continuidade, termo único de nossa existência. Segue-se daí a sede descontrolada de possuir e usufruir ao máximo os bens materiais.
Temos que descobrir a presença e ação de Deus, que é Pai misericordioso, que nos ama e chama à felicidade, à união plena com ele e entre nós, agora e além da morte. É ainda em Deus que percebemos, em profundidade, o valor de toda pessoa humana. A solidariedade cristã é fruto dessa percepção. Ninguém se dedica ao próximo se não tem um grande amor. Os maiores exemplos de doação aos mais pobres são de pessoas que encontraram em Deus a força para se devotar, com alegria e generosidade, ao bem dos irmãos.
O olhar de irmã Dulce, atendendo os doentes, e o sorriso de madre Teresa, acolhendo os miseráveis, revelam ao mundo o amor do próprio Deus.
A renda não será distribuída no Brasil, nem as leis serão suficientes, enquanto cada um de nós se enclausurar no próprio eu, acumulando, de modo doentio, bens materiais, que não levaremos para além desta vida. Como distribuir a renda?
A solução é simples, embora exigente. Basta amar. Amar o próximo como Jesus Cristo nos ensinou.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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