São Paulo, Sábado, 17 de Julho de 1999
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A aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente tem sido eficaz?

SIM

Compromisso com a infância

REIKO NIIMI

Na última terça, dia 14, o Estatuto da Criança e do Adolescente completou nove anos. No dia do aniversário do ECA, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançaram o projeto "Dez Anos do Estatuto da Criança e do Adolescente: Avaliar Resultados para Definir Metas".
Nossa grande tarefa é avaliar o que foi e está sendo feito para a promoção dos direitos da criança e do adolescente no Brasil e o que queremos realizar em cinco ou dez anos. Até 13 de julho de 2000, quando o estatuto completa sua primeira década, toda a sociedade brasileira está convidada a participar desse debate e a contribuir com ele.
Não será um trabalho fácil. Ao longo dos últimos anos, o estatuto sempre esteve na berlinda, como não poderia deixar de ser.
Na luta pelos direitos das crianças no Brasil, o ECA é um divisor de águas entre a doutrina da situação irregular e o atual desejo da sociedade -expresso nessa lei pioneira e revolucionária, de uma ética fundamentada na proteção integral e na prioridade absoluta.
O estatuto mudou a forma como a sociedade vê suas crianças e seus adolescentes. Eles passam a ser seres humanos no sentido mais amplo do termo. São detentores de direitos, não somente de necessidades.
São, ainda, portadores de direitos especiais, porque estão em processo de desenvolvimento. Precisam ser protegidos, uma vez que carregam em si o nosso futuro: de nosso país, de nosso povo, da humanidade.
Não há dúvida: em quase dez anos de estatuto, há o que comemorar. A estrutura de participação criada pelo ECA -principalmente os conselhos de direitos e tutelares- está implantada na União, em todas as unidades da Federação e em muitos municípios. O movimento social pela infância e pela adolescência é um dos mais ativos do país.
Conforme demonstrou o Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, divulgado na semana passada, os indicadores de saúde e educação melhoram, embora o país tenha um longo caminho a percorrer nessas duas áreas para se tornar uma nação mais justa socialmente.
Além disso, as ameaças de retrocesso na legislação (há quem insista em confundir proteção integral com impunidade), embora persistentes, ainda não foram capazes de gerar resultados práticos. Ao contrário: o ECA serviu como inspiração para legisladores de mais de 15 países latino-americanos.
Outra conquista: vemos, a cada dia, a educação substituir gradativamente os "grupos de risco" ("meninos de rua", por exemplo) como eixo principal do debate em torno dos direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros.
A mídia, vale ressaltar, tem um papel fundamental nesse positivo "deslocamento de eixo". Tirou meninos e meninas das páginas policiais para levá-los às editorias de educação e aos espaços destinados à promoção dos direitos humanos. São muitos os avanços.
Porém dificuldades existem -e não são pequenas. As Febems, heranças do modelo correcional-repressivo, persistem. Os conselhos de direitos e tutelares têm grandes dificuldades de funcionamento. As defensorias públicas, na maioria das vezes, trabalham precariamente. Há graves distorções na divisão de recursos entre Estados e municípios. E a sempre alegada dificuldade econômica faz com que projetos interessantes fiquem restritos a pequenas escalas, em um país com 58 milhões de crianças e adolescentes.
Daí a importância desses 12 meses de reflexão. Trata-se de uma oportunidade única para definir com clareza a responsabilidade de cada um: Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, empresários, igrejas, sociedade civil.
Numa feliz coincidência, quando o país estiver celebrando os 500 anos do encontro da cultura européia com as culturas das civilizações indígenas, também será a hora de comemorarmos os dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma década do compromisso de proteção integral e de prioridade absoluta assumido pelo Brasil com seus meninos.


Reiko Niimi, 41, mestre em direito e diplomacia pela Fletcher School of Law and Diplomacy e em saúde pública pela Universidade da Califórnia (EUA), é representante no Brasil do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).




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