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NÃO
Do discurso à prática
EBENÉZER SALGADO SOARES
Há nove anos, em julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi
promulgado e introduziu profundas
alterações no cenário brasileiro no que
se refere à proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente.
Na ocasião, o Brasil tinha uma população de 65 milhões de crianças e adolescentes com idade até 19 anos; 250 mil
crianças morriam antes de completar
um ano, e metade delas não sobrevivia
ao primeiro mês de vida.
Uma em cada quatro crianças sofria
de desnutrição, que levava a deficiências mentais irreversíveis. Mais de 4
milhões de crianças de 7 a 14 anos estavam fora das salas de aula; de cada 100
que se matriculavam na 1ª série, apenas 18 concluíam o 1º grau. Boa parte
das crianças que abandonavam os estudos via-se obrigada, pela necessidade de sobrevivência, a entrar prematuramente no mercado de trabalho. Mais
de 26% dessas crianças pertenciam a
famílias com renda mensal de até um
quarto do salário mínimo.
Diante desse quadro, em maio daquele ano, o presidente da República,
num discurso pronunciado diante de
todo o ministério, anunciou à nação
que a criança e o adolescente passavam a ser prioridade absoluta do governo. "Em cada criança, em cada menor carente, há de se criar um brasileiro que tenha condições perfeitas para
o exercício da mais autêntica liberdade", afirmou. O presidente também
conclamou "a nação, cada brasileiro, a
engajar-se de corpo e alma na luta pela
criança" e concluiu que o Brasil tinha
de se conscientizar: "Ou se salvam as
crianças ou se perde o país".
Assim, o Estatuto da Criança e do
Adolescente surgiu como uma forma
de garantir e promover a dignidade da
pessoa. Durante esses anos, não se pode negar que o estatuto tem proporcionado, ainda que de forma lenta, uma
mudança de mentalidade na sociedade brasileira, acostumada a se omitir
diante da negligência, da discriminação, da exploração, da violência, da
crueldade e da opressão de que são vítimas crianças e adolescentes.
Com o advento do estatuto, a política
de atendimento aos direitos da criança
e do adolescente passou a ser realizada
num conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais
no âmbito da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos municípios, por
meio dos conselhos nacional, estaduais e municipais, bem como dos
conselhos tutelares, encarregados pela
sociedade de zelar para que esses direitos sejam cumpridos.
Contudo essa mudança de postura
tem sido lenta e gradual, principalmente no que diz respeito às ações governamentais. Portanto essa triste e
vergonhosa realidade brasileira só será
modificada quando a família, a sociedade e, fundamentalmente, o Poder
Executivo (nas três esferas de governo)
deixarem o discurso e passarem à prática do que pregam. Dessa forma, as
injustiças contra as crianças e os adolescentes serão, certamente, reduzidas
de maneira drástica em todo o país.
Ebenézer Salgado Soares, 43, é promotor de Justiça
da Infância e da Juventude da cidade de São Paulo e
membro da Associação Brasileira de Magistrados e
Promotores da Infância e da Juventude.
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