São Paulo, Sábado, 17 de Julho de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

#PREENCHA O TITULO AQUI#

NÃO

Do discurso à prática

EBENÉZER SALGADO SOARES

Há nove anos, em julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi promulgado e introduziu profundas alterações no cenário brasileiro no que se refere à proteção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Na ocasião, o Brasil tinha uma população de 65 milhões de crianças e adolescentes com idade até 19 anos; 250 mil crianças morriam antes de completar um ano, e metade delas não sobrevivia ao primeiro mês de vida.
Uma em cada quatro crianças sofria de desnutrição, que levava a deficiências mentais irreversíveis. Mais de 4 milhões de crianças de 7 a 14 anos estavam fora das salas de aula; de cada 100 que se matriculavam na 1ª série, apenas 18 concluíam o 1º grau. Boa parte das crianças que abandonavam os estudos via-se obrigada, pela necessidade de sobrevivência, a entrar prematuramente no mercado de trabalho. Mais de 26% dessas crianças pertenciam a famílias com renda mensal de até um quarto do salário mínimo.
Diante desse quadro, em maio daquele ano, o presidente da República, num discurso pronunciado diante de todo o ministério, anunciou à nação que a criança e o adolescente passavam a ser prioridade absoluta do governo. "Em cada criança, em cada menor carente, há de se criar um brasileiro que tenha condições perfeitas para o exercício da mais autêntica liberdade", afirmou. O presidente também conclamou "a nação, cada brasileiro, a engajar-se de corpo e alma na luta pela criança" e concluiu que o Brasil tinha de se conscientizar: "Ou se salvam as crianças ou se perde o país".
Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu como uma forma de garantir e promover a dignidade da pessoa. Durante esses anos, não se pode negar que o estatuto tem proporcionado, ainda que de forma lenta, uma mudança de mentalidade na sociedade brasileira, acostumada a se omitir diante da negligência, da discriminação, da exploração, da violência, da crueldade e da opressão de que são vítimas crianças e adolescentes.
Com o advento do estatuto, a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente passou a ser realizada num conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, por meio dos conselhos nacional, estaduais e municipais, bem como dos conselhos tutelares, encarregados pela sociedade de zelar para que esses direitos sejam cumpridos.
Contudo essa mudança de postura tem sido lenta e gradual, principalmente no que diz respeito às ações governamentais. Portanto essa triste e vergonhosa realidade brasileira só será modificada quando a família, a sociedade e, fundamentalmente, o Poder Executivo (nas três esferas de governo) deixarem o discurso e passarem à prática do que pregam. Dessa forma, as injustiças contra as crianças e os adolescentes serão, certamente, reduzidas de maneira drástica em todo o país.


Ebenézer Salgado Soares, 43, é promotor de Justiça da Infância e da Juventude da cidade de São Paulo e membro da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude.




Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
A aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente tem sido eficaz?
Reiko Niimi - Sim: Compromisso com a infância

Próximo Texto:
Erramos

Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.