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CLÓVIS ROSSI
Processo às intenções
SÃO PAULO - Em 1975, a Itália preparava-se para a primeira eleição em
que o Partido Comunista parecia ter
reais chances de chegar ao poder, justamente num país membro da Otan,
a aliança militar anti-comunista.
O PCI liderara a primeira revisão
dos dogmas, batizada à época de "eurocomunismo", ao lado do PC francês e do espanhol. Como é óbvio, a
eleição atraiu quilos de jornalistas do
mundo todo à Itália. Um dia, Enrique Berlinguer, então secretário-geral do PCI, deu uma entrevista coletiva à mídia internacional.
Foi crivado de perguntas sobre a
credibilidade da conversão do PCI às
regras da democracia até então dita
burguesa. Respondeu com firmeza
uma e outra vez, até que, na undécima pergunta a respeito, acusou os
jornalistas de estarem promovendo
um "processo às intenções".
Um processo similar parece estar
agora em curso em relação ao PT.
Nada contra gritar "falta" agora,
quando estão sendo lançadas iniciativas questionáveis do ponto de vista
do apego ao jogo democrático, até
porque, quando esse é perdido, aí não
dá mais para gritar.
Mas um pouco de perspectiva vai
bem. O partido pode ter personalidades e correntes inteiras presas a uma
raiz ideológica pouco democrática,
mas a sua história -a sua vida real,
portanto- é democrática, quaisquer
que sejam as intenções (não postas
em prática) de João, Pedro ou Antônio do PT.
O risco que se corre em qualquer
processo às intenções é beatificar a
parte oposta. No caso, permitir que
dêem lições de democracia políticos e
partidos que, estes sim, passaram das
intenções à prática e participaram de
governos que violaram todas as regras democráticas, inclusive impondo censura à imprensa.
O único processo de fato autoritário
levado a cabo pelo PT até agora foi,
convenhamos, contra os mal chamados radicais do próprio partido.
Aí, sim, deu-se um clássico expurgo
stalinista. Mas pouca gente reclamou. Talvez porque radicais incomodam muita gente, de boas e de más
intenções.
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