São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Processo às intenções

SÃO PAULO - Em 1975, a Itália preparava-se para a primeira eleição em que o Partido Comunista parecia ter reais chances de chegar ao poder, justamente num país membro da Otan, a aliança militar anti-comunista.
O PCI liderara a primeira revisão dos dogmas, batizada à época de "eurocomunismo", ao lado do PC francês e do espanhol. Como é óbvio, a eleição atraiu quilos de jornalistas do mundo todo à Itália. Um dia, Enrique Berlinguer, então secretário-geral do PCI, deu uma entrevista coletiva à mídia internacional.
Foi crivado de perguntas sobre a credibilidade da conversão do PCI às regras da democracia até então dita burguesa. Respondeu com firmeza uma e outra vez, até que, na undécima pergunta a respeito, acusou os jornalistas de estarem promovendo um "processo às intenções".
Um processo similar parece estar agora em curso em relação ao PT. Nada contra gritar "falta" agora, quando estão sendo lançadas iniciativas questionáveis do ponto de vista do apego ao jogo democrático, até porque, quando esse é perdido, aí não dá mais para gritar.
Mas um pouco de perspectiva vai bem. O partido pode ter personalidades e correntes inteiras presas a uma raiz ideológica pouco democrática, mas a sua história -a sua vida real, portanto- é democrática, quaisquer que sejam as intenções (não postas em prática) de João, Pedro ou Antônio do PT.
O risco que se corre em qualquer processo às intenções é beatificar a parte oposta. No caso, permitir que dêem lições de democracia políticos e partidos que, estes sim, passaram das intenções à prática e participaram de governos que violaram todas as regras democráticas, inclusive impondo censura à imprensa.
O único processo de fato autoritário levado a cabo pelo PT até agora foi, convenhamos, contra os mal chamados radicais do próprio partido.
Aí, sim, deu-se um clássico expurgo stalinista. Mas pouca gente reclamou. Talvez porque radicais incomodam muita gente, de boas e de más intenções.


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